Estes são os meus dez filmes preferidos de 2019. Considero os que estiveram em cartaz nos nossos cinemas durante o ano (com duas exceções). Estão em ordem de preferência, com título, diretor, um breve comentário e uma foto.
1º) Assunto de Família (Hirokazu Koreeda)
Uma escolha fácil. Costumo gostar dos filmes do Koreeda, mas não tanto quanto deste. Há uma tensão que é instalada desde o princípio, e que vai assumindo crescente dramaticidade com o seu desenrolar, proporcionando ao filme uma força que faltava nos trabalhos anteriores do diretor — sem, contudo, perder o equilíbrio harmônico de planos despretensiosos e despojados, que permitem a espontaneidade bem humorada da interação entre as personagens, bem como a simplicidade cativante de rotinas domésticas, além do lirismo de cenas exteriores junto à natureza. Escrevi sobre o filme para o Persona.
2º) Coringa (Todd Phillips)
Grande parte das leituras que o filme recebeu sugerem o contrário, mas considero-o bastante auto-referente, fechado em si próprio. Gotham é uma cidade de trevas, apenas. Todos os personagens decepcionam as expectativas de Arthur Fleck. Todas as perspectivas de redenção são fechadas, deformadas, desvirtuadas. Não há luz nenhuma, a não ser o brilho íntimo da individualidade que descobre a sua força, a sua vitalidade, a sua afirmação. E essa descoberta é ótima de se acompanhar, revela toda a capacidade do cinema em nos abrir a realidade interior de um indivíduo. Mas, por outro lado, baseia-se num artifício que deforma a realidade exterior. É muito mais fácil criar tomando por base apenas trevas, pois mostrar a luz é bem mais complexo. O efeito final disso é que o filme é obcecante — e aí repousa toda a sua sombria glória e toda a sua limitação.
3º) A Árvore dos Frutos Selvagens (Nuri Bilge Ceylan)
Dada a sua longa duração, é preciso ter paciência, é necessário dar um voto de confiança ao diretor turco, é preciso colocar-se naquele estado de espírito contemplativo, que não gera expectativas, não cria ansiedades, que deixa as coisas fluírem no seu ritmo natural. São posturas que o próprio protagonista do filme vai aprendendo, junto conosco. Ceylan, capaz de criar cenas de beleza ímpar, nos premia aqui com um momento dourado junto a uma moça que sorri, à sombra das árvores e ao som do vento nas folhas, que é das coisas mais exuberantes e memoráveis que o ano de 2019 nos ofereceu.
4º) História de um casamento (Noah Baumbach)
Não foi lançado nos cinemas do Brasil, entrando direto no Netflix. O que inviabiliza a vida de um casal assim — belos, prósperos, relativamente jovens, profissionalmente destacados, talentosos — é o medo de estagnar-se no que eles consideram como mediocridade, ou seja, uma vida “invisível”, pacata, rotineira, despretensiosa, doméstica, familiar. Quando as frustrações desse jaez são levadas ao paroxismo pelo verdadeiro inferno jurídico do divórcio, começa a girar a roda da tragédia que vai triturar a boa vontade das pessoas. A abordagem do filme flerta com a banalidade, mas sobressai a pungência de sua honestidade e a beleza inesperada de gestos simples — características sintetizadas na cena em que o personagem de Adam Driver canta no microfone de um bar; seu canto não é belo, não é formalmente rico, mas sua interpretação nos toca.
5º) O Irlandês (Martin Scorsese)
Sou da turma que penou para acompanhar o desenrolar da longa trama, que cansou diante do painel histórico dos EUA e que não criou grandes laços afetivos com os personagens. No entanto, sou também da turma que achou a última parte do filme sublime, redimindo todo o enfado que nos fez chegar até ali. O que mais me afasta do filme é ver que ao longo de toda a vida adulta de Frank (De Niro) quase não há espaço para o amor apaixonado, quase não há importância na presença das mulheres que tenham feito seu coração bater mais forte. Tenho dificuldade em crer num personagem assim. No entanto, não é exatamente este o drama mais silencioso e subterrâneo de Frank? No fim das contas, não é esta a condenação no olhar da sua filha?
6º) Ad Astra (James Gray)
“Ad Astra” é a travessia do descomunal deserto da solidão, para aprender a acolher e gerar a vida. Pra mim, é o tipo de filme que cresce à medida que pensamos nele, posteriormente, compensando alguma decepção durante a sua fruição. De James Gray espero sempre o máximo, o que não é muito justo, mas é o ônus de quem já nos presenteou com obras-primas como “Os Donos da Noite” e “Era uma vez em Nova York”.
7º) Fé Corrompida (Paul Schrader)
Muito se falou sobre First Reformed no ano passado; o filme permaneceu sem lançamento nos nossos cinemas, mas em 2019 foi disponibilizado oficialmente em streaming, com o título de “Fé Corrompida”. Escrevi acerca dele para o Persona, inclusive usando a definição “fé pervertida”, que ficou muito próxima do que viria a ser o título brasileiro. Faltou, no meu texto, a obrigatória referência a “Luz de Inverno”, do Bergman, do qual saiu a maior parte da inspiração de Schrader.
8º) O hotel às margens do rio (Hong Sang-soo)
Temos origem no Paraíso e precisamos aprender a ser humanos. Isso é poesia, e se você não sabe disso, então é um morto em vida. Somos gratos pela beleza, embora vivamos em quartos de hotel inexpressivos e sustentemos conversas ébrias em torno da mesa. Um poeta vai morrer amanhã.
9º) Um dia de chuva em Nova York (Woody Allen)
Uma lição de como fazer um filme simultaneamente bobo e encantador. Na cena de clímax dramático, em que o jovem protagonista descobre que sua mãe não é a mera dondoca fútil e esnobe que parecia, algo análogo ocorre conosco, ao percebermos que a aparente frivolidade juvenil do filme reveste um núcleo mais significativo. E se calhar de você voltar da sessão de cinema andando na chuva, garanto que o encantamento será abundante.
10º) Era uma vez em… Hollywood (Quentin Tarantino)
Sendo bem franco, eu não posso dizer que gostei do filme, mas algumas críticas me ajudaram a compreendê-lo e valorizá-lo. Seja como for, bastam as duas cenas em que o personagem do Di Caprio contracena com uma menininha (o nome da pequena e adorável atriz mirim é Julia Butters) para deixar uma boa saudade.
Em 2020 teremos filme novo do Terrence Malick, ou seja, já está garantido que será um grande ano. Desejo um bom Ano Novo para todos que amam o cinema!