quinta-feira, 30 de junho de 2011

domingo, 26 de junho de 2011

Ela pergunta:
- Qual é o seu maior objetivo na vida?

Ele responde:
- Tornar-me imortal, e depois morrer.


Vão-se os óculos escuros, fica o trompete no ar (ou seria noir?)


A cena é de Acossado (A Bout de Souffle, Jean-Luc Godard, 1959)

sábado, 25 de junho de 2011

Luas do Quintana

noturno

Atenção! O luar está filmando...


MALI—Near Timbuktu, Sept. 18, 1988.
© Guy Le Querrec / Magnum Photos

aproximações

Clair de lune, chiaro de luna, claro de luna... jamais os franceses, os italianos e os espanhóis saberão mesmo o que seja o luar, que nós bebemos de um trago numa palavra só...

RAROTONGA, The Cook Islands—Dogs on the beach under a full moon. Dogs in Rarotonga, like feral dogs everywhere, live freely. There are no leashes. The dogs are not so much owned by someone as by everyone, February 2003.
© Trent Parke / Magnum Photos


"Na volta da esquina", de Mario Quintana, ed. Globo, 1979

terça-feira, 21 de junho de 2011

Judith degola Holofernes (Caravaggio)


"O êxtase do estado dionisíaco, com sua aniquilação das usuais barreiras e limites de existência, contém, enquanto dura, um elemento letárgico no qual imerge toda vivência pessoal do passado. Assim se separam um do outro, através desse abismo do esquecimento, o mundo da realidade cotidiana e o da dionisíaca. Mas tão logo a realidade cotidiana torna a ingressar na consciência, ela é sentida como tal com náusea; uma disposição ascética, negadora da vontade, é o fruto de tais estados. Nesse sentido, o homem dionisíaco se assemelha a Hamlet: ambos lançaram alguma vez um olhar verdadeiro à essência das coisas, ambos passaram a conhecer e a ambos enoja atuar; pois sua atuação não pode modificar em nada a eterna essência das coisas, e eles sentem como algo ridículo e humilhante que se lhes exija endireitar de novo o mundo que está desconjuntado. O conhecimento mata a atuação, para atuar é preciso estar velado pela ilusão - tal é o ensinamento de Hamlet [...]; não é o refletir, não, mas é o verdadeiro conhecimento, o relance interior na horrenda verdade, que sobrepesa todo e qualquer motivo que possa impelir à atuação, quer em Hamlet quer no homem dionisíaco. [...] Na consciência da verdade uma vez contemplada, o homem vê agora, por toda parte, apenas o aspecto horroroso e absurdo do ser; [...] Aqui, neste supremo perigo da vontade, aproxima-se, qual feiticeira da salvação e da cura, a arte; só ela tem o poder de transformar aqueles pensamentos enojados sobre o horror e o absurdo da existência em representações com as quais é possível viver: são elas o sublime, enquanto domesticação artística do horrível, e o cômico, enquanto descarga artística da náusea do absurdo." (p. 53-54)

"O nascimento da tragédia", de Friedrich Nietzsche, trad. J. Guinsburg, ed. Companhia das Letras, 2007.

domingo, 19 de junho de 2011

Amor?


O mar, a piscina e o chuveiro são os três cenários deste filme.  São as três representações do útero perdido para sempre, da segurança e do conforto em estado precário, do homem condenado à liberdade. Não por acaso os depoimentos regridem ao passado até o ponto de ele tornar-se insuficiente, até o ponto de surgir um inconfesso assombro com a existência, com a vida que foi expulsa do paraíso uterino. Devolvam-me o cordão umbilical, com ele hei de enforcar Édipo. Devolvam-me ao ato escrotal que me gerou, com ele hei de fazer cosmo em vez de caos.
A obsessão do sexo e da droga são os meios mais comuns a que recorrem os seres protegidos pela segurança do dinheiro, da família e do tédio. Narcóticos de paixão que são o retrato acabado do som e da fúria humanos, demasiado humanos.
Tentam encontrar desesperadamente o limite entre o amor e a violência. Passarão a vida tentando? É a vida exatamente esta tentativa? Não é o próprio nascimento uma violência? Não é o parto uma revolução sangrenta? E o amor?
Amor?
Amor é crime e castigo – perdoa-me por me traíres.
Amor é uma mentira que, repetida mil vezes, tornou-se verdade.

E no entanto tudo isso são escombros, são os pedaços de uma sociedade decadente, em estado de putrefação que fertiliza o solo. Há uma legião de seres subterrâneos crescendo debaixo dos epítetos da sociedade pós-moderna, brotando da confusão entre individualismo e egoísmo, entre independência e autossuficiência.  Sem a coragem que a violência exige e, portanto, incapazes de amar?
Tem razão o “personagem” que expressa a impossibilidade de (con)viver com a ideia de que a buceta do seu amor possa ser compartilhada? Se isso é amor, o que sentem os ditos casais modernos? Que solo pantanoso prepara a sociedade pós-identidade, pós-gênero, pós-corpo, pós-família? Ou isso tudo são fantasmas, sombras dançando na parede, e o amor verdadeiro está lá fora, iluminado pelo sol radiante (quiçá cancerígeno?)?
Se puder ser tolerada uma tentativa de resposta, digo que o amor é uma ficção como qualquer outra – e convém dizer que tenho a palavra ficção entre as mais estimadas. É um conto fantástico, de tipo borgeano – o que ainda parece pouco acessível a quem está por demais acostumado ao romance de tipo francês, longo e penoso e razoável.

E se os sensatos disserem que nada disso importa, resta a bela trilha sonora de Lenine (toda instrumental, de tipo minimalista, bem mais interessante do que qualquer obra de Lenine que eu conheça).

E que mulher esta Mariana Lima. Faria qualquer coisa por ela.


Em cartaz na Casa de Cultura Mário Quintana. A dica foi do Sul21.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Precioso registro antropológico: reunião da comunidade superior dos homens que desaprenderam a andar e a falar

Tudo o que foi gasto com palavras no post anterior poderia resumir-se a este vídeo. Zaratustra, o bêbado de enigmas, oferece sua bênção ao irrefreável Dionísio, neste que é denominado "o melhor vídeo da internet". Imagens impressionantes dos últimos momentos de sanidade do espírito reencarnado de Nietzsche, em algum confim dionisíaco (suspeita-se da Turquia).


Eu insisto: o mundo é movido por música.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Beethoven no Carnaval

St. Louis Cotton Club Band (ca. 1925)

Dobrai-vos à insigne expressão daquilo a que Nietzsche denomina de dionisíaco. A seguir um dos mais belos trechos de O Nascimento da Tragédia, cujas sugestões deixam clara a inspiração de júbilo beethoveniano, ao mesmo tempo em que mergulha o indivíduo plenipotente na dissolução carnavalesca universal.

"Sob a magia do dionisíaco torna a selar-se não apenas o laço de pessoa a pessoa, mas também a natureza alheada, inamistosa ou subjugada volta a celebrar a festa de reconciliação com seu filho perdido, o homem. Espontaneamente oferece a terra as suas dádivas e pacificamente se achegam as feras da montanha e do deserto. O carro de Dionísio está coberto de flores e grinaldas: sob o seu jugo avançam o tigre e a pantera. Se se transmuta em pintura o jubiloso hino beethoveniano à 'Alegria' e se não se refreia a força da imaginação, quando milhões de seres frementes se espojam no pó, então é possível acercar-se do dionisíaco. Agora o escravo é homem livre, agora se rompem todas as rígidas e hostis delimitações que a necessidade, a arbitrariedade ou a 'moda impudente' estabeleceram entre os homens. Agora, graças ao evangelho da harmonia universal, cada qual se sente não só unificado, conciliado, fundido com o seu próximo, mas um só, como se o véu de Maia tivesse sido rasgado e, reduzido a tiras, esvoaçasse diante do misterioso Uno-primordial. Cantando e dançando, manifesta-se o homem como membro de uma comunidade superior: ele desaprendeu a andar e a falar, e está a ponto de, dançando, sair voando pelos ares. De seus gestos fala o encantamento. Assim como agora os animais falam e a terra dá leite e mel, do interior do homem também soa algo de sobrenatural: ele se sente como um deus, ele próprio caminha agora tão extasiado e elevado, como vira em sonho os deuses caminharem. O homem não é mais artista, tornou-se obra de arte: a força artística de toda a natureza, para a deliciosa satisfação do Uno-primordial, revela-se aqui sob o frêmito da embriaguez. A argila mais nobre, a mais preciosa pedra de mármore é aqui amassada e moldada e, aos golpes de cinzel do artista dionisíaco dos mundos, ressoa o chamado dos mistérios eleusinos: 'Vós vos prosternais, milhões de seres? Pressentes tu o Criador, ó mundo?' " (p. 28-29)

(As últimas frases são do 'An die Freude' de Schiller, entoado pelo coral da 9ª de Beethoven).

Mais maduro, o autor posteriormente criticou esta sua obra da juventude (1872). Perdoados os laivos de ingênua e entusiasmada metafísica, resta-nos admirar a expressividade lírica do filósofo e a plasticidade cosmogônica da sua dança caótica.

"O nascimento da tragédia", de Friedrich Nietzsche, trad. J. Guinsburg, ed. Companhia das Letras, 2007.

sábado, 11 de junho de 2011

parágrafo

[como suplantar a razão com uma epifania]:

cerimônia voodoo no Haiti - (Ramon Espinosa)

     "Dizem que não há geração sem quatro homens retos que secretamente sustentam o universo e o justificam diante do Senhor: um desses varões teria sido o juiz mais idôneo. Mas onde encontrá-los, se andam perdidos e anônimos pelo mundo e não se reconhecem quando se vêem e nem eles mesmos sabem do alto ministério que cumprem? Alguém então opinou que, se o destino nos negava os sábios, teríamos que buscar os insensatos. Esta idéia prevaleceu. Alcoranistas, doutores da lei, sikhs que levam o nome de leões e que adoram um Deus, hindus que adoram multidões de deuses, monges de Mahavira que ensinam ter o universo a forma de um homem com as pernas abertas, adoradores do fogo e judeus negros, integraram o tribunal, mas a última sentença foi encomendada ao arbítrio de um louco.
     Aqui o interromperam algumas pessoas que se iam da festa.
     - De um louco - repetiu - para que a sabedoria de Deus falasse por sua boca e envergonhasse a soberba humana. Seu nome perdeu-se ou nunca foi conhecido, mas andava nu por estas ruas, ou coberto de trapos, contando os dedos com o polegar e fazendo escárnio das árvores."

do conto "O Homem no Umbral", de Jorge Luis Borges, trad. Flávio José Cardozo

quinta-feira, 9 de junho de 2011


Information is not knowledge.
Knowledge is not wisdom.
Wisdom is not truth.
Truth is not beauty.
Beauty is not love.
Love is not music.
Music is the best...

Frank Zappa, 1979.

domingo, 5 de junho de 2011

Fine and mellow


"o blues vocal é uma das raras formas de arte que, como a dança e a representação, é perfeitamente adaptável às mulheres, para quem a forma mais natural de arte é aquela que menos se separa do corpo, do gesto e da voz".

"História social do jazz", de Eric Hobsbawm, trad. Angela Noronha, ed. Paz e Terra, 1990, pág. 108