quarta-feira, 18 de maio de 2011

Orlando, de Virginia Woolf

Mesmo considerando algumas ironias, o prefácio da autora menciona nada menos que 50 amigos que a ajudaram na feitura de Orlando. Se considerarmos que cada pessoa pode ter até 2.052 eus, teremos uns 102.600 eus Orlandos. Nada mais precisa ser dito para que se reconheça o mérito de Orlando em ser a mais monumental obra literária já realizada, o tecido mais inteligente da ventura humana com as palavras escritas, a mais consciente manifestação do inconsciente coletivo de um indivíduo.

Reflection (self portrait) - Lucien Freud

"Quando isso aconteceu, Orlando deu um suspiro de alívio, acendeu um cigarro e soprou em silêncio um ou dois minutos. Depois, chamou hesitante, como se a pessoa que procurasse pudesse não estar ali: "Orlando?" Pois se há (por acaso) setenta e seis tempos diferentes, todos pulsando simultaneamente na cabeça, quantas pessoas diferentes não haverá - valha-nos o céu -, todas morando, num tempo ou noutro, no espírito humano? Alguns dizem que duas mil e cinquenta e duas. De modo que é a coisa mais natural do mundo uma pessoa chamar, logo que fique sozinha, Orlando? (se esse é seu nome), querendo com isso dizer Vem, vem! Estou mortalmente cansada deste eu. Preciso de outro. Daí as mudanças assombrosas que vemos em nossos amigos. Mas isso também não é muito fácil, pois, embora se possa dizer, como Orlando disse (achando-se no campo, e necessitando talvez de outro eu) Orlando?, o Orlando de que ela necessita pode não vir; esses eus de que somos constituídos, sobrepostos uns aos outros como pratos empilhados na mão do copeiro, têm suas predileções, simpatias, pequenos códigos e direitos próprios, chamem-se como quiserem (e muitas dessas coisas não têm nome), de modo que um só virá se estiver chovendo, outro, se for num quarto com cortinas verdes, outro, se a Sra. Jones não estiver lá, outro, se lhe pudermos prometer um copo de vinho - e assim por diante; pois cada pessoa pode multiplicar com a sua própria experiência as diferentes condições que impõem os seus diferentes eus - e algumas, de tão ridículas, nem podem ser impressas em letra de forma." (pág. 183)

"Orlando", de Virginia Woolf, trad. Cecília Meireles, ed. Círculo do Livro, 1989.

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