O mar, a piscina e o chuveiro são os três cenários deste filme. São as três representações do útero perdido para sempre, da segurança e do conforto em estado precário, do homem condenado à liberdade. Não por acaso os depoimentos regridem ao passado até o ponto de ele tornar-se insuficiente, até o ponto de surgir um inconfesso assombro com a existência, com a vida que foi expulsa do paraíso uterino. Devolvam-me o cordão umbilical, com ele hei de enforcar Édipo. Devolvam-me ao ato escrotal que me gerou, com ele hei de fazer cosmo em vez de caos.
A obsessão do sexo e da droga são os meios mais comuns a que recorrem os seres protegidos pela segurança do dinheiro, da família e do tédio. Narcóticos de paixão que são o retrato acabado do som e da fúria humanos, demasiado humanos.
Tentam encontrar desesperadamente o limite entre o amor e a violência. Passarão a vida tentando? É a vida exatamente esta tentativa? Não é o próprio nascimento uma violência? Não é o parto uma revolução sangrenta? E o amor?
Amor?
Amor é crime e castigo – perdoa-me por me traíres.
Amor é uma mentira que, repetida mil vezes, tornou-se verdade.
E no entanto tudo isso são escombros, são os pedaços de uma sociedade decadente, em estado de putrefação que fertiliza o solo. Há uma legião de seres subterrâneos crescendo debaixo dos epítetos da sociedade pós-moderna, brotando da confusão entre individualismo e egoísmo, entre independência e autossuficiência. Sem a coragem que a violência exige e, portanto, incapazes de amar?
Tem razão o “personagem” que expressa a impossibilidade de (con)viver com a ideia de que a buceta do seu amor possa ser compartilhada? Se isso é amor, o que sentem os ditos casais modernos? Que solo pantanoso prepara a sociedade pós-identidade, pós-gênero, pós-corpo, pós-família? Ou isso tudo são fantasmas, sombras dançando na parede, e o amor verdadeiro está lá fora, iluminado pelo sol radiante (quiçá cancerígeno?)?
Se puder ser tolerada uma tentativa de resposta, digo que o amor é uma ficção como qualquer outra – e convém dizer que tenho a palavra ficção entre as mais estimadas. É um conto fantástico, de tipo borgeano – o que ainda parece pouco acessível a quem está por demais acostumado ao romance de tipo francês, longo e penoso e razoável.
E se os sensatos disserem que nada disso importa, resta a bela trilha sonora de Lenine (toda instrumental, de tipo minimalista, bem mais interessante do que qualquer obra de Lenine que eu conheça).
E que mulher esta Mariana Lima. Faria qualquer coisa por ela.
Em cartaz na Casa de Cultura Mário Quintana. A dica foi do Sul21.
Amar, verbo intransitivo.
ResponderExcluirSempre leio e tenho desejos de comentar, mas é pouco o tempo e são muitas as letras, especialmente nos posts em que há música ou sugestão de um som qualquer, nem que seja um suspiro...como esse.
De qualquer forma, você pôs riso na minha noite com seu comentário quase elogioso (já que quase nunca escrevo o que se diz poesia).