Eu tenho lembranças assombrosas de um ancestral antiquíssimo, que resolveu se arrastar para fora da água e enfrentar todo o peso da tirana lei da gravidade.
Subitamente seus instintos ficaram sem valor. A partir de então deveria andar com os pés e carregar a si mesmo, quando antes era levado pela água: havia um terrível peso sobre ele.
Para as funções mais simples sentia-se canhestro, nesse novo mundo não mais possuía os seus velhos guias, nem os impulsos reguladores e inconscientemente certeiros - estava reduzido, o infeliz, a pensar, inferir, calcular, combinar causas e efeitos.
Creio que jamais houve na terra um tal sentimento de desgraça, um mal-estar tão plúmbeo - e além disso os velhos instintos não cessaram repentinamente de fazer suas exigências!
Mas era difícil, raramente possível, lhes dar satisfação: no essencial tiveram de buscar gratificações novas e, digamos, subterrâneas.
Toda vez que nasce um homem, expulso do útero, essa maldição revive.
E o irresistível canto das sereias é o lamento antiquíssimo daquelas a quem um dia abandonamos.
Estúpido, esse nosso ancestral.
Trechos em itálico extraídos de "A Genealogia da Moral", de Nietzsche, trad. Paulo César de Souza, Cia das Letras, 2009, pág. 67
quarta-feira, 31 de agosto de 2011
sexta-feira, 26 de agosto de 2011
Retratos
sábado, 20 de agosto de 2011
Melancolia
ilustração de Victo Ngai |
Lars Von Trier está cansado, coitado. Eu o entendo, mas não acho que isso baste para dar origem a um bom filme. Ele está doente, o homem doente do homem - aquilo a que Nietzsche identificou no cristianismo, no socratismo, no romantismo, no niilismo, no anseio pelo nada; Trier é o profeta dos desacreditados, com auxílio de publicidade polêmica.
Sobre Melancolia a única coisa que tenho a dizer é que prefiro Sinais do Shyamalan. Neste o clima de tensão mantinha uma angústia que construía sentidos ao longo da trama, culminando no caráter epifânico das coincidências, dos sinais. Em Melancolia a nauseante angústia não recompensa o espectador, apenas exorciza os demônios internos do diretor (que, dizem, teria escrito o filme sob forte depressão); a tensão pretensamente se resolve numa perspectiva niilista pra lá de enjoada. Não me impressiona a plasticidade das cenas (prefiro Jurassic Park), nem a crueza da câmera fremente (prefiro Bruxa de Blair), nem as referências artísticas; Melancolia é o filme que reuniu os personagens mais mesquinhos e insossos da história do cinema (uau!), com destaque para o sonambulismo lexotânico da heróina (belos seios, isso é verdade!). É para assistir de olhos fechados, curtindo o magnífico prelúdio de Tristão e Isolda em som surround - mas até o ponto em que a repetição ad nauseam permitir.
Serviço de utilidade pública para quem está em Porto Alegre: vá à Casa de Cultura Mário Quintana, mas não para ver Melancolia, e sim Em Paris (em cartaz na mostra que homenageia a capital francesa). Embora no filme de Christophe Honoré o argumento não tenha muita importância, trata-se justamente de uma depressão do personagem. Em certo momento há um diálogo em que se define exatamente o conceito de melancolia, como uma tristeza antiga, quiçá de tempos remotos, que submete o seu signo indelével desde o nosso nascimento, se constituindo em parte integrante do nosso ser. Melancolia que alguns recebem com um sorriso. Outros, como Lars Von Trier, com a impotência (aliás, parêntesis: a mim pareceu muito boa a idéia de celebrar o fim com a 9ª do Beethoven e uma taça de vinho no terraço).
Já estão por demais prolongadas as órbitas de alguns grandes astros do cinema, como Lars Von Trier, Woody Allen, Coppola, entre outros. Aguardemos o novo aparecimento de Paul Thomas Anderson, Darren Aronofsky e Christophe Honoré no horizonte.
_______________________
Dizem que melancolia é o estado mórbido da depressão, do ponto de vista psicanalítico. Eu prefiro pensar naquela tristeza antiga que nos submete sem explicação, mas com doçura. Aí está Mercedes Sosa para me dar razão:
Oh Melancolia
Mercedes Sosa
Composição: Silvio Rodríguez
Hoy viene a mi la damisela soledad
con pamela impertinentes y botón
de amapola de oleaje de sus vuelos,
hoy la voluble señorita es amistad
y acaricia finamente el corazón
con su más delgado pétalo de hielo.
Por eso hoy, gentilmente te convido a pasear
por el patio hasta el florido pabellón
de aquel árbol que plantaron los abuelos,
hoy el ensueño es como el musgo en el brocal
dibujando los abismos de mi amor
melancólico, sutil, plaido cielo.
Viene a mí avanzada, viene tan despacio,
viene con una danza leve del espacio
cedo, me hago lacio y ya vuelo ave, se mece la nave
lenta como el tul en la brisa, suave niña del azul . . .
Oh melancolia, novia silenciosa
intima pareja del ayer,
oh melancolia, amante dichosa
siempre me arrebata tu placer,
oh melancolia, señora del tiempo,
beso que retorna como el mar,
oh melancolia, rosa del aliento
dime quien me puede amar.
Hoy viene a mi la damisela soledad
con pamela impertinentes y botón
de amapola de oleaje de sus vuelos,
hoy la voluble señorita es amistad
y acaricia finamente el corazón
con su más delgado pétalo de hielo.
Por eso hoy, oh melancolia, señora del tiempo,
beso que retorna como el mar,
oh melancolia, rosa del aliento
dime quien me puede amar.
con pamela impertinentes y botón
de amapola de oleaje de sus vuelos,
hoy la voluble señorita es amistad
y acaricia finamente el corazón
con su más delgado pétalo de hielo.
Por eso hoy, gentilmente te convido a pasear
por el patio hasta el florido pabellón
de aquel árbol que plantaron los abuelos,
hoy el ensueño es como el musgo en el brocal
dibujando los abismos de mi amor
melancólico, sutil, plaido cielo.
Viene a mí avanzada, viene tan despacio,
viene con una danza leve del espacio
cedo, me hago lacio y ya vuelo ave, se mece la nave
lenta como el tul en la brisa, suave niña del azul . . .
Oh melancolia, novia silenciosa
intima pareja del ayer,
oh melancolia, amante dichosa
siempre me arrebata tu placer,
oh melancolia, señora del tiempo,
beso que retorna como el mar,
oh melancolia, rosa del aliento
dime quien me puede amar.
Hoy viene a mi la damisela soledad
con pamela impertinentes y botón
de amapola de oleaje de sus vuelos,
hoy la voluble señorita es amistad
y acaricia finamente el corazón
con su más delgado pétalo de hielo.
Por eso hoy, oh melancolia, señora del tiempo,
beso que retorna como el mar,
oh melancolia, rosa del aliento
dime quien me puede amar.
domingo, 7 de agosto de 2011
Mundos
O fotógrafo James Mollison tem um livro chamado "Where children sleep", retratando dezenas de crianças ao redor do mundo, a partir dos quartos onde elas vivem. Algumas estão aí abaixo:
Prena, 14, empregada doméstica, mora na casa onde trabalha, Katmandu, Nepal |
Nantio, 15, Quênia |
Tzvika, 9, Jerusalém, Israel |
Jaime, 9, Nova York, EUA |
Dong, 9, Yunnan, China |
Ahkohxet, 8, Amazônia, Brasil |
Anônimo, 4, romeno, vive na periferia de Roma, Itália |
Jasmine, 4, Kentucky, EUA |
Rhiannon, 14, Darvel, Escócia |
Thais, 11, Cidade de Deus, Rio de Janeiro, Brasil |
Joey, 11, gosta de caçar, Kentucky, EUA |
Indira, 7, trabalha numa pedreira, Katmandu, Nepal |
Ryuta, 10, campeão de sumô, Tóquio, Japão |
sábado, 6 de agosto de 2011
Mundos
Amostras do ensaio fotográfico "A look at the Himalayan territory of Kashmir":
Amostras do trabalho do fotógrafo David Goldman - "Visual dispatches from the Helmand and Kunar provinces" - região do Afeganistão ocupada por tropas norte-americanas:
São sempre impressionantes as imagens do blog fotográfico The Frame.
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
Silêncios
Há um silêncio de antes de abrir-se um telegrama urgente
há um silêncio de um primeiro olhar de desejo
há um silêncio trêmulo de teias ao apanhar uma mosca
e
o silêncio de uma lápide que ninguém lê.
"A vaca e o hipogrifo", de Mario Quintana, L&PM, 4ª ed, 1983, pág. 70
Há um silêncio de antes de abrir-se um telegrama urgente
há um silêncio de um primeiro olhar de desejo
há um silêncio trêmulo de teias ao apanhar uma mosca
e
o silêncio de uma lápide que ninguém lê.
Miles Davies - foto de Guy Le Querrec |
"A vaca e o hipogrifo", de Mario Quintana, L&PM, 4ª ed, 1983, pág. 70
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