sábado, 20 de agosto de 2011

Melancolia

ilustração de Victo Ngai

Lars Von Trier está cansado, coitado. Eu o entendo, mas não acho que isso baste para dar origem a um bom filme. Ele está doente, o homem doente do homem - aquilo a que Nietzsche identificou no cristianismo, no socratismo, no romantismo, no niilismo, no anseio pelo nada; Trier é o profeta dos desacreditados, com auxílio de publicidade polêmica.

Sobre Melancolia a única coisa que tenho a dizer é que prefiro Sinais do Shyamalan. Neste o clima de tensão mantinha uma angústia que construía sentidos ao longo da trama, culminando no caráter epifânico das coincidências, dos sinais. Em Melancolia a nauseante angústia não recompensa o espectador, apenas exorciza os demônios internos do diretor (que, dizem, teria escrito o filme sob forte depressão); a tensão pretensamente se resolve numa perspectiva niilista pra lá de enjoada. Não me impressiona a plasticidade das cenas (prefiro Jurassic Park), nem a crueza da câmera fremente (prefiro Bruxa de Blair), nem as referências artísticas; Melancolia é o filme que reuniu os personagens mais mesquinhos e insossos da história do cinema (uau!), com destaque para o sonambulismo lexotânico da heróina (belos seios, isso é verdade!). É para assistir de olhos fechados, curtindo o magnífico prelúdio de Tristão e Isolda em som surround - mas até o ponto em que a repetição ad nauseam permitir.

Serviço de utilidade pública para quem está em Porto Alegre: vá à Casa de Cultura Mário Quintana, mas não para ver Melancolia, e sim Em Paris (em cartaz na mostra que homenageia a capital francesa). Embora no filme de Christophe Honoré o argumento não tenha muita importância, trata-se justamente de uma depressão do personagem. Em certo momento há um diálogo em que se define exatamente o conceito de melancolia, como uma tristeza antiga, quiçá de tempos remotos, que submete o seu signo indelével desde o nosso nascimento, se constituindo em parte integrante do nosso ser. Melancolia que alguns recebem com um sorriso. Outros, como Lars Von Trier, com a impotência (aliás, parêntesis: a mim pareceu muito boa a idéia de celebrar o fim com a 9ª do Beethoven e uma taça de vinho no terraço).




Já estão por demais prolongadas as órbitas de alguns grandes astros do cinema, como Lars Von Trier, Woody Allen, Coppola, entre outros. Aguardemos o novo aparecimento de Paul Thomas Anderson, Darren Aronofsky e Christophe Honoré no horizonte.

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Dizem que melancolia é o estado mórbido da depressão, do ponto de vista psicanalítico. Eu prefiro pensar naquela tristeza antiga que nos submete sem explicação, mas com doçura. Aí está Mercedes Sosa para me dar razão:


Oh Melancolia

Mercedes Sosa

Composição: Silvio Rodríguez
 
Hoy viene a mi la damisela soledad
con pamela impertinentes y botón
de amapola de oleaje de sus vuelos,
hoy la voluble señorita es amistad
y acaricia finamente el corazón
con su más delgado pétalo de hielo.

Por eso hoy, gentilmente te convido a pasear
por el patio hasta el florido pabellón
de aquel árbol que plantaron los abuelos,
hoy el ensueño es como el musgo en el brocal
dibujando los abismos de mi amor
melancólico, sutil, plaido cielo.

Viene a mí avanzada, viene tan despacio,
viene con una danza leve del espacio
cedo, me hago lacio y ya vuelo ave, se mece la nave
lenta como el tul en la brisa, suave niña del azul . . .

Oh melancolia, novia silenciosa
intima pareja del ayer,
oh melancolia, amante dichosa
siempre me arrebata tu placer,
oh melancolia, señora del tiempo,
beso que retorna como el mar,
oh melancolia, rosa del aliento
dime quien me puede amar.

Hoy viene a mi la damisela soledad
con pamela impertinentes y botón
de amapola de oleaje de sus vuelos,
hoy la voluble señorita es amistad
y acaricia finamente el corazón
con su más delgado pétalo de hielo.

Por eso hoy, oh melancolia, señora del tiempo,
beso que retorna como el mar,
oh melancolia, rosa del aliento
dime quien me puede amar.


7 comentários:

  1. Sabe, eu tenho que te dizer: eu não gosto do seu blog. Eu detesto seu blog. Eu odeio. Porque ele me provoca inquietações e dizeres que não cabem na caixinha de comentário, sabe. Ele incita a respostas que precisam de espaços e tempos e eu sempre falho em te dizer: vim, vi, você venceu. Mas eu insisto. Nem que seja em espasmos melancólicos.

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  2. Que bom, Luciana. Longa vida ao ódio, enquanto ele for assim inconformado.

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  3. Olha, finalmente encontro alguém interessante e inteligente que não está se esvaindo em elogios pelo Melancolia. Estava até me perguntando o que havia de errado comigo.
    A camêra frenética do tal Dogma 95' irritou-me profundamente, bem como o excesso de simbolismos (ainda que o excesso já seja menor que em Anticristo). Idem em relação à plasticidade de algumas cenas, embora o visual e a trilha sonora e seu uso tenha me agradado, de modo geral.
    O que eu achei de Melancolia? Ah, eu não gostei nem um pouco, não via a hora de sair do cinema. Até desconfiei que fosse birra minha por causa de algumas leituras na semana, haja vista que ultimamente o argumento de que "a humanidade é má e ponto" tenha me incomodado bastante - é que pra mim o ser humano é mais complexo, não dá pra dizer que "é mau e ponto" nem que "é bom e ponto". Somos pluridimensionais, há várias nuânces. Demais disso, também me incomoda o desdém e simplicidade da frase "se o homem sumir, o universo não sentirá falta" (Nietzsche vem à mente). Realmente, se for para botar o ego do homem no seu devido lugar, acho válido o pensamento. Mas a humanidade importa a mim, ser humana que sou, e gosto de pensar que haja algum sentido em continuar vivendo, ainda que (talvez?) não sejamos imprescindíveis à vida do universo.
    Mas depois pensei em casa, e essa tese sobre a malvadeza da humanidade e a nossa insignificância nem é o que me incomoda. Afinal, só pra ficar aqui no âmbito brasileiro, Augusto dos Anjos e Machado de Assis já escreveram sobre isso com maestria - e eu os adoro, especialmente Machadão.
    O que faz Melancolia a meus olhos ser ruim são seu enredo, diálogo e personagens. Eu poderia reclamar que estes são unidimensionais, rasos, mas é curioso que em Dogville isso funciona bem. O que acontece em Melancolia, então? Bom, eles são tão mal desenvolvidos que quase que inexistem! E os diálogos pueris e fracos também não ajudam.
    O filme é, para mim, dispensável. Espero que ao menos tenha servido ao Lars para ajudá-lo com a depressão.

    Um abraço,
    P.

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  4. Pois eu te digo, Ser Humana, que a conhecida solidão elementar de cada indivíduo parece, diante de um comentário assim, se esvair. Pois eu concordo completamente contigo. Também me pus a pensar no porquê de Dogville funcionar, no porquê de eu ter apenas pensando em sair no meio do filme, sem concretizar isso de fato, no porquê de o pessismismo acerca da vida humana ser aceitável (até atraente!) em certos autores mas nauseante em outros, no porquê de os personagens de Melancolia serem tão insípidos e desagradáveis, no porquê de haver tantos elogios a este filme.
    Depois de ver o filme, pesquisando na net, vi uma foto do Lars onde aparece uma tatuagem nos dedos da mão, formando a palavra fuck. Aí eu parei de pensar no filme e o esqueci.
    Na base de tudo isso há algo de uma simplicidade elementar. Eu não gosto do cinema hollywoodiano, mas eu entendo que um filme deva dar prazer ao espectador, deva ser fruído, deva ser uma experiência gratificante. É pena que certos filmes pseudo-artísticos rejeitem isso, talvez recalcados pelo sucesso comercial de muitos filmes. Melancolia é um filme recalcado, é isso que me parece.
    Obrigado pelo comentário, é muito bem-vindo.
    P?

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  5. Agradeço a resposta, Lucas. Também acho que Melancolia seja, de certo modo, um filme recalcado.
    Abraços,
    P.

    (sim, "P.")

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  6. muito interessante tudo isso. voltarei.

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  7. Valeu, arbo. Vejo comentários teus muito bons blogosfera afora.
    Volte mesmo.

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