sábado, 10 de setembro de 2011

A Árvore da Vida



Nem o filme acima nem o poema abaixo me impressionam muito. Mas combinam bem.


Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas
E toda a realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.

Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quanto mais personalidade eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora.
Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for,
Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo,
E fora d'Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco.
[...]

Sou um monte confuso de forças cheias de infinito
Tendendo em todas as direções para todos os lados do espaço,
A Vida, essa coisa enorme, é que prende tudo e tudo une
E faz com que todas as forças que raivam dentro de mim
Não passem de mim, nem quebrem meu ser, não partam meu corpo,
Não me arremessem, como uma bomba de Espírito que estoira
Em sangue e carne e alma espiritualizados para entre as estrelas,
Para além dos sóis de outros sistemas e dos astros remotos.
[...]

Dentro de mim estão presos e atados ao chão
Todos os movimentos que compõem o universo,
A fúria minuciosa e dos átomos,
A fúria de todas as chamas, a raiva de todos os ventos,
A espuma furiosa de todos os rios, que se precipitam,
A chuva com pedras atiradas de catapultas
De enormes exércitos de anões escondidos no céu.

Sou um formidável dinamismo obrigado ao equilíbrio
De estar dentro do meu corpo, de não transbordar da minh'alma.
Ruge, estoira, vence, quebra, estrondeia, sacode,
Freme, treme, espuma, venta, viola, explode,
Perde-te, transcende-te, circunda-te, vive-te, rompe e foge,
Sê com todo o meu corpo todo o universo e a vida,
Arde com todo o meu ser todos os lumes e luzes,
Risca com toda a minha alma todos os relâmpagos e fogos,
Sobrevive-me em minha vida em todas as direções!

Álvaro de Campos



Assim como em Álvaro de Campos, na Árvore da Vida há vida (com o perdão da redundância, mas é preciso lembrar disso diante da emergência de filmes que quase rejeitam a vida). Malick conseguiu, no mínimo, presentear-nos com a mãe mais bonita dos últimos tempos, e com um personagem infantil dos mais interessantes. Em determinado momento do filme o guri expressa a inconformidade com o fato de não poder conhecer tudo, só aquilo que vê. Ele quer ver tudo, ele quer conhecer o mundo todo, no sentido de experimentar todas as sensações, de descobrir todos os mistérios, de revelar todas as possibilidades. O desejo fáustico que acompanha o amadurecimento daquele personagem está concretizado na cena seguinte, quando ele invade em segredo uma casa da vizinhança, onde mexe nas coisas silenciosas e guardadas, acorda o desejo sonolento dos objetos, descobre a libido pulsante da privacidade, e se apropria de parte deste mundo que até então lhe estava vedado, proibido. Continua a estar, mas o guri agora tem sua alma ligada ao poder da coragem da descoberta. Quer ver o mundo, conhecer tudo. Pega o objeto íntimo alheio e lança-o ao mundo; ganha alguma liberdade.

Me parece que é exatamente isso o que quer Malick, também. Ele está nos mostrando tudo: a gota, o vento, a sombra, o reflexo, a onda, a chama, os átomos, as estrelas, a origem, o som, a fúria. Sim, o resultado das imagens é pra lá de Discovery Channel com National Geographic. Talvez ele tenha chegado tarde, já que esse tipo de imagem, tão impressionante no início, está um tanto banalizada, vide programas dominicais da TV aberta que compram aqueles programas da TV à cabo. Malick pagou um preço alto pelo seu desejo de nos mostrar tudo.

Seja como for,
Sou um monte confuso de forças cheias de infinito
Tendendo em todas as direções para todos os lados do espaço,
A Vida, essa coisa enorme, é que prende tudo e tudo une.


[Falam tanto em Melancolia e Árvore da Vida; deve haver filme melhor em cartaz...]

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