Franny e Zooey (J.D. Salinger)
Salinger invoca Buda, Jesus, o Tao, Chuang-Tzu, a Nuvem do Desconhecimento; mas não deixa de invocar também o consumo em massa, a televisão, as celebridades, a indústria da comunicação, toda a apaixonante banalidade e burburinho do mundo. O gênio de Salinger é capaz de equacionar as grandes questões do espírito humano com as trivialidades da vida mais comezinha - e tudo isso por meio de uma prosa solta, humorada, sagaz, com grande desenvoltura. Permita-se ler, sem esperar nada em troca. Descubra quem é a Senhora Gorda.
O jogo das contas de vidro (Hermann Hesse)
Magistral utopia que dá forma ao sempiterno desejo de integração do indivíduo no Todo, da união mística com o Uno, de atingir o centro Absoluto de toda a variedade e diversidade da cultura humana, conciliando as tradições espirituais do Ocidente e do Oriente. A música, aqui, é a mais sublime das experiências - e Bach soa quase como redentor da humanidade.
Se a compreensão é uma espécie de milagre, alguém que tão engenhosamente põe em funcionamento o mecanismo da compreensão só pode ser um grande Criador. Foi muito difícil largar "O idiota", porque me afeiçoei aos personagens - e o afeto é fruto da compreensão que se aloja diretamente no peito. Eis de que forma a literatura é um cuidado da alma, uma epifania humanista, um sopro de esperança. Em Dostoiévski, a compreensão se dá pela aceitação de impulsos muito pouco razoáveis, mas plenamente humanos. "O idiota" é também um ensaio sobre a beleza - embora a palavra final seja a da loucura.
O que vai se revelando é a dor remoída no íntimo de cada personagem. A experiência da dor, da perda, do fracasso, da derrota, que cada um carrega consigo e que não poder ser compartilhada com ninguém. Desde a dor lancinante de Jesus na cruz, até os horrores das guerras na Palestina, passando pela figura-chave de Judas desesperado e desiludido, somos estimulados a refletir sobre o inevitável fracasso que faz parte da condição humana. Apesar de tudo, não é um romance pesado. Ocorre apenas que o autor não faz concessões à ideia de que o mundo tem conserto.
Este foi o livro que envenenou a alma de Dorian (de "O retrato de Dorian Gray", Oscar Wilde). Trata-se de uma obra fascinante, mas difícil de se gostar. A neurose afetada de Des Esseintes é contaminante. Por mais atroz que isto seja, como deixar de louvar um romance que aniquila a normalidade com tamanha propriedade, com tamanha personalidade, com uma imposição de espírito tão recalcitrante? Não há muitos Dostoiévskis por aí capazes de algo assim. E não há muitos Houellebecqs capazes de se apropriar do seu legado em plena era do politicamente correto.
O tom exaltado do monólogo, pleno de uma lucidez implacável com auto-ilusões e de uma franqueza radical com a moral humana, remete ao homem do Subsolo de Dostoiévski, bem como aos protagonistas de Houellebecq - para François (de "Submissão"), uma saia curta pode mudar tudo na vida de um homem; para Pózdnichev, o narrador da obra em foco, o que considera-se como amor não passa de uma malha justa no corpo de uma mulher. A principal limitação desta novela é o fato de que quase não há contraponto ao monólogo. De qualquer forma, a discussão que propõe sobre temas como a moral, o amor, o sexo, o prazer, a felicidade, o ego, a beleza, a verdade - e até a música! - é arrebatadora na sua capacidade de relativização e no seu ceticismo com relação à condição humana.
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