Os críticos de matizes progressistas têm grande dificuldade em aceitar o fato de um filme ser um espetáculo. A síndrome platônico-socrática os conduz sempre para fora da caverna, para a realidade solar, de modo que vêem o espetáculo sempre pelo lado de fora, deixando de vivenciá-lo realmente, intensamente, sensorialmente, como ocorre com o abismado espectador da caverna-cinema (ou cinema-caverna?). Procuram argumentos quando o que se exige é deixar-se seduzir pelos sentidos. Entendem que isso seja uma desvantagem, quando é, na verdade, o sentido primeiro e fundamental da arte: o prazer.
Resta aos pássaros que alçam voos diante de abismos encontrarem um lugar para pousar. O terrível Cisne Negro guia-se por imponente vigor, ousa confrontar o sol e projeta sua sombra surreal sobre o espectador.
Cisne Negro é o espetáculo da coragem desentranhando-se do ventre repressor. O desabrochar da flor mais bela e terrível. O triunfo da fantasia sobre as pequenezas reais. A exuberância do som e da fúria. E sendo assim, é a experiência concreta do prazer de sentar numa sala escura, diante de uma tela imensa e envolto em poderoso som. O adjetivo espetacular serve aqui com o devido valor.
Sou seu cúmplice, cisne famigerado. Confesso, eu me deixei levar por sua coragem inaudita, e matei minha realidade só para vivenciar contigo o prazer da fantasia mais perversa se realizando. Ora, como se realiza o que não é real? Como pode uma fantasia confundir-se com a pele? Como se derruba a barreira ilusória entre o bem e o mal? De onde vem a coragem da metamorfose?
São estas as perguntas de Aronofsky, alimentadas pelo balé de Tchaikovsky e pela trilha sonora de Clint Mansell.
Sim, há o exagero no uso dos efeitos especiais; há a insuficiência de Vincent Cassel; há a lamentável participação de Winona Ryder. Pro diabo com tudo isso, o filme é apaixonante. Sai-se da sala escura pronto a matar os últimos anjos da inocência que habitam nosso interior. Recomenda-se asas abertas à obsessão.
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