Havaí, 1907 |
Basta que se abra a janela, que se ouça lá fora o burburinho das gentes e dos pássaros, ou o vozerio risonho de vizinhos. Basta que se diga uma bobagem qualquer para puxar assunto, basta o zumbido da TV, o som alto do automóvel, um grito de pátio de escola, um assovio de final de expediente, uma cantada sorridente. Basta uma promessa de sábado. Basta a última traição, o primeiro beijo; a roupa nova, o velho jeito; bastam cervejas geladas, abraços quentes. Basta bastante qualquer coisa, que nos faça esquecer da falta que faz outra coisa qualquer.
Mas e da alegria profunda? Alegria fria e sem medida; alegria sem janela, sem vizinho, sem barulho, sem sábado? Que poeta de ruas da infância, que pessoa de rio de aldeia, que moça de canteiros de framboesa, que amante de chama eterna, quem, quem, quem sabe o que é alegria profunda?
Alasca, 2011 |
Ramilonga
Vitor Ramil
Chove na tarde fria de Porto Alegre
Trago sozinho o verde do chimarrão
Olho o cotidiano, sei que vou embora
Nunca mais, nunca mais
Trago sozinho o verde do chimarrão
Olho o cotidiano, sei que vou embora
Nunca mais, nunca mais
Chega em ondas a música da cidade
Também eu me transformo numa canção
Ares de milonga vão e me carregam
Por aí, por aí
Ramilonga, Ramilonga
Sobrevôo os telhados da Bela Vista
Na Chácara das Pedras vou me perder
Noites no Rio Branco, tardes no Bom Fim
Nunca mais, nunca mais
O trânsito em transe intenso antecipa a noite
Riscando estrelas no bronze do temporal
Ares de milonga vão e me carregam
Por aí, por aí
Ramilonga, Ramilonga
O tango dos guarda-chuvas na Praça XV
Confere elegância ao passo da multidão
Triste lambe-lambe, aquém e além do tempo
Nunca mais, nunca mais
Do alto da torre a água do rio é limpa
Guaíba deserto, barcos que não estão
Ares de milonga vão e me carregam
Por aí, por aí
Ramilonga, Ramilonga
Ruas molhadas, ruas da flor lilás
Ruas de um anarquista noturno
Ruas do Armando, ruas do Quintana
Nunca mais, nunca mais
Do Alto da Bronze eu vou pra Cidade Baixa
Depois as estradas, praias e morros
Ares de milonga vão e me carregam
Por aí, por aí
Ramilonga, Ramilonga
Vaga visão viajo e antevejo a inveja
De quem descobrir a forma com que me fui
Ares de milonga sobre Porto Alegre
Nada mais, nada mais
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