—Entonces... ¿cómo podemos saber que esto no es un sueño? —se alzó una voz femenina.
Sócrates enmudeció. Las cabezas de la asamblea se orientaron hacia esa voz que, de ninguna manera, podía pertenecer a una mujer. Un niño tal vez. Hasta un esclavo. Pero una mujer...
Sócrates retomó su discurso y preguntó a la asamblea si era posible que las mujeres esbozaran siquiera un pensamiento filosófico.
Se decidió, por unanimidad, que se trataba de un sueño.
Não há mais como entediar-se. O tédio está morto. Já não é possível sentir aquele tédio profundo que lançou tantos à virtuose de autodestruição e autorrecriação ao longo dos últimos dois séculos. (Já antes, pensando bem, não foi o tédio que consumiu Dom Quixote, lançando-o, primeiro, à leitura voraz, e depois às alucinadas aventuras?)
Mataram Júlio César [ver Brutus], mataram Napoleão [ver Waterloo], mataram Deus [ver Nietzsche], mataram Marx [ver Veja] - mataram as certezas todas, mataram a própria possibilidade de haver certeza, e quando parecia que então só restaria o nada e seu tédio etéreo e plúmbeo, eis que matam também o tédio. Pós-nada. Pós-modernidade, pós-teísmo, pós-gênero, pós-trabalho, pós-família, pós-capitalismo. Pós. Cinzas. Nadas. Do pó aos pós, dust to dust.
Pós-tédio.
Posso baixar o filme que eu quiser, a qualquer momento (inclusive os mais entediantes russos). Posso baixar a música que eu quiser, quando eu quiser, executada por quem eu quiser, na qualidade de som que eu quiser (inclusive os mais entediantes estudos para órgão barroco). Posso ler o livro, o jornal, a notícia, o romance que eu quiser, no idioma que eu quiser, do autor que eu quiser (inclusive os mais entediantes romances de cavalaria medievais). Posso ver as fotos, as pinturas, as imagens, as ilustrações que eu quiser, do assunto que eu quiser, com as cores que eu quiser (inclusive a mais entediante pornografia banalizada). [E não me venham os paladinos da moral acusarem-nos de estarmos nos tornando robôs, máquinas individualistas que não valorizam o real sentido da vida, a fraternidade humana e o bem-estar social! Ora, eu posso conversar com quem eu quiser, pelo meio que eu quiser, do lugar em que eu quiser, quando eu bem entender! Eu posso vestir a máscara que eu quiser, jogar o jogo que eu quiser, representar quem eu quiser, votar em quem eu quiser, gritar o que eu quiser, ingressar no partido que eu quiser, das esmolas a quem eu quiser, perguntar o que eu quiser, avacalhar o que eu quiser (posso afirmar que isso não é democracia, porque eu sou eu, eu não sou o povo). Desconfio que posso até matar quem eu quiser!]
O tédio está morto.
(graças a Deus!)
O tédio morreu.
(aleluia!)
Mas o tédio um dia voltará
(amém.)
Perdoem-me o arroubo. Mas é verdade, é verdade. Assim como o trem-de-ferro um dia cortou o tédio pelo meio; assim como as highways reduziram-no ainda mais; assim como a televisão o esmigalhou - agora é a internet banda larga que está enterrando o tédio no tempo. É tudo uma questão de velocidade, de transmutação do espaçotempo - on the road, online, onipresença, onisciência, onipotência. Now I'm on.
O tédio, meu caro Álvaro de Campos, virou verbete de enciclopédia virtual.
Três microcontos de autores hispanófonos(?) - um visual, um sarcástico e um mítico. Me gusta.
18 mm. Enfocar: edificio nevado con la ventana del quinto piso abierta.
24 mm. Enfocar: dormitorio con muebles rotos a través de la ventana.
35 mm. Enfocar: cama de matrimonio revuelta en medio del dormitorio.
50 mm. Enfocar: hombre sentado en la cama.
18 mm. Enfocar: pequeño papel en la mano del hombre.
18 mm. Enfocar: dedo cubre casi por completo el texto del papel.
18 mm. Enfocar: "Adiós" bajo el pulgar.
18 mm. Enfocar: gota transparente cae sobre la letra "s".
18 mm. Enfocar: mancha roja desplaza la gota transparente hacia la "A".
Manuel Espada
Ya he cortado un árbol y borrado un libro. ¿Sabes qué falta, hijo mío?
Víctor Lorenzo Cinca
El rey secreto.
En la ciudad hay un rey secreto. Nadie - excepto los guardianes- sabe quién es. Ni él mismo lo sabe.
Puede ser un barrendero, un abogado criminalista, el jefe de estación del ferrocarril. Sus decisiones mínimas son consideradas decisiones de estado. Sus palabras casuales se convierten en sentencias. Sin saberlo, ordena castigos y ejecuciones.
Imaginemos: enciende un fósforo y ordena un incendio. Acaricia a un gato y es liberado un prisionero. Tira una piedra y derrumban una torre. Pero son ejemplos que imaginamos sin certeza alguna. Quizás no hay ninguna relación entre sus actos casuales y sus consecuencias: enciende un fósforo y derrumban una torre.
Cada siete años la conspiración triunfa y el rey es asesinado. Entonces se elige al azar otro rey cualquiera: un médico, un equilibrista, un nombre raro en la guía telefónica, alguien que pasa, el que escribe esto, el que lee esta página.
Sofremos as consequências daquela vida que se arrastou pra fora d'água: cada um de nós carrega a sua própria cruz. Nosso corpo é nossa própria cruz! Esqueleto que range em dolorosa verticalidade, fadiga da carne com o pesar das horas.
A minha cruz sou eu a me carregar e a minha existência é cansaço.
(Que ironia da História: e pensar que Cristo é simbolizado por um peixe!)
O que me enche de esperança é que há de chegar alguém que eu não espero.
Só espero que esse alguém espere da vida tanto quanto eu desespero.
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A imagem que ilustra este post é do belo filme "Além da Estrada" (dir. Charly Braun, 2010), produção Brasil/Argentina/Uruguai, em cartaz em Porto Alegre.
A revista britânica The Word fez uma lista de 40 ruídos que consolidaram a música pop ("40 Noises That Built Pop") - por ruídos entenda-se aqueles sons que sintetizam um recurso musical e passam a formar parte essencial de determinado repertório estilístico. A distorção da guitarra levada à microfonia, o som de palmas incorporado à batida e o groove do contrabaixo espalmado são exemplos. Todos os 40 podem ser ouvidos no site da revista.
Imediatamente me ocorrem outros dois interessantes "barulhos", não tão difundidos quanto os que entraram na lista: aquela guitarra frenética e de timbre peculiar que caracterizou a surf music e foi imortalizada por Dick Dale (vídeo abaixo, trilha de Pulp Fiction), e o efeito etéreo de som distorcido que se tornou base do shoegaze, tão bem usado por Radio Dept, Slowdive, My Bloody Valentine e Jesus and Mary Chain (2º vídeo abaixo).
Nem o filme acima nem o poema abaixo me impressionam muito. Mas combinam bem.
Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas
E toda a realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.
Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quanto mais personalidade eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora.
Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for,
Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo,
E fora d'Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco.
[...]
Sou um monte confuso de forças cheias de infinito
Tendendo em todas as direções para todos os lados do espaço,
A Vida, essa coisa enorme, é que prende tudo e tudo une
E faz com que todas as forças que raivam dentro de mim
Não passem de mim, nem quebrem meu ser, não partam meu corpo,
Não me arremessem, como uma bomba de Espírito que estoira
Em sangue e carne e alma espiritualizados para entre as estrelas,
Para além dos sóis de outros sistemas e dos astros remotos.
[...]
Dentro de mim estão presos e atados ao chão
Todos os movimentos que compõem o universo,
A fúria minuciosa e dos átomos,
A fúria de todas as chamas, a raiva de todos os ventos,
A espuma furiosa de todos os rios, que se precipitam,
A chuva com pedras atiradas de catapultas
De enormes exércitos de anões escondidos no céu.
Sou um formidável dinamismo obrigado ao equilíbrio
De estar dentro do meu corpo, de não transbordar da minh'alma.
Ruge, estoira, vence, quebra, estrondeia, sacode,
Freme, treme, espuma, venta, viola, explode,
Perde-te, transcende-te, circunda-te, vive-te, rompe e foge,
Sê com todo o meu corpo todo o universo e a vida,
Arde com todo o meu ser todos os lumes e luzes,
Risca com toda a minha alma todos os relâmpagos e fogos,
Sobrevive-me em minha vida em todas as direções!
Álvaro de Campos
Assim como em Álvaro de Campos, na Árvore da Vida há vida (com o perdão da redundância, mas é preciso lembrar disso diante da emergência de filmes que quase rejeitam a vida). Malick conseguiu, no mínimo, presentear-nos com a mãe mais bonita dos últimos tempos, e com um personagem infantil dos mais interessantes. Em determinado momento do filme o guri expressa a inconformidade com o fato de não poder conhecer tudo, só aquilo que vê. Ele quer ver tudo, ele quer conhecer o mundo todo, no sentido de experimentar todas as sensações, de descobrir todos os mistérios, de revelar todas as possibilidades. O desejo fáustico que acompanha o amadurecimento daquele personagem está concretizado na cena seguinte, quando ele invade em segredo uma casa da vizinhança, onde mexe nas coisas silenciosas e guardadas, acorda o desejo sonolento dos objetos, descobre a libido pulsante da privacidade, e se apropria de parte deste mundo que até então lhe estava vedado, proibido. Continua a estar, mas o guri agora tem sua alma ligada ao poder da coragem da descoberta. Quer ver o mundo, conhecer tudo. Pega o objeto íntimo alheio e lança-o ao mundo; ganha alguma liberdade.
Me parece que é exatamente isso o que quer Malick, também. Ele está nos mostrando tudo: a gota, o vento, a sombra, o reflexo, a onda, a chama, os átomos, as estrelas, a origem, o som, a fúria. Sim, o resultado das imagens é pra lá de Discovery Channel com National Geographic. Talvez ele tenha chegado tarde, já que esse tipo de imagem, tão impressionante no início, está um tanto banalizada, vide programas dominicais da TV aberta que compram aqueles programas da TV à cabo. Malick pagou um preço alto pelo seu desejo de nos mostrar tudo.
Seja como for,
Sou um monte confuso de forças cheias de infinito
Tendendo em todas as direções para todos os lados do espaço,
A Vida, essa coisa enorme, é que prende tudo e tudo une.
[Falam tanto em Melancolia e Árvore da Vida; deve haver filme melhor em cartaz...]
Louis Armstrong está trazendo o verão a este hemisfério da saudade. Sim, eu sinto que o verão está chegando, e com ele essa brisa de sopro doce e franco.
A cena é de "Memórias" (Stardust Memories, dir. Woody Allen, 1980), com Woody Allen e Charlotte Rampling ao som de Stardust (Louis Armstrong).