terça-feira, 29 de março de 2011

Quem tem medo de Virginia Woolf?

 
Cena do filme À Deriva




Milton Ribeiro lembrou dos 70 anos da morte de Virginia Woolf, ontem.

Hoje, é dia de relembrar que a obra continua viva, e muito. Relembrar e comemorar.

Passeio ao Farol é leitura do mais puro e genuíno enlevo, e lá estão elencadas algumas imagens que são de vida simples e gostosa de ser vivida:

"símbolos usuais da bondade divina - o pôr-do-sol sobre o mar, a palidez da aurora, o nascer da lua, os barcos de pesca contra o luar, as crianças atirando-se nos montes de grama - [...] essa alegria, essa serenidade. [...] Sonho de compartilhar, de completar, de encontrar sozinho, na praia, uma resposta"





crianças de Cabo Verde
 


Também se faz sentir o poder-sem-nome que provoca a meditação angustiada:

"Então, deixando os olhos deslizarem imperceptivelmente pela poça e descansarem na ondulante linha entre o céu e o mar, nos troncos das árvores que a fumaça dos navios a vapor fazia tremerem acima do horizonte, ficou hipnotizada por todo esse poder que se contraía selvagemente e inevitavelmente se alastrava. E os dois sentidos, de amplidão e de insignificância, florescendo dentro da poça (que diminuíra outra vez), faziam-na se sentir com os pés e as mãos amarradas e incapaz de se mover devido à intensidade de sentimentos que reduziam seu próprio corpo, sua própria vida e as vidas de todas as pessoas do mundo, para sempre, ao nada. Assim, ouvindo as ondas, de cócoras diante da poça, ela meditava".



Mente tão sensível como a de Virginia não poderia mesmo resistir a tamanho fluxo de vida. Cada palavra contém um centro gravitacional irresistível, onde transitam, contemplando-se orgulhosos, o deleite da memória, a fugacidade do instante, a melancolia da vida.

ilha de Lesbos, Grécia
"Ela não queria dizer alguma coisa, mas tudo. [...] A premência do momento sempre fazia as palavras perderem seu objetivo. Elas se alvoroçavam e acabavam atingindo o alvo algumas polegadas abaixo. Então, desistia-se; a idéia era de novo esquecida; e passava-se a ser como a maioria das pessoas de meia-idade: cauteloso, furtivo, com rugas entre os olhos e um olhar de perpétua apreensão. Pois como se poderia expressar em palavras essas emoções do corpo? Como expressar aquele vazio ali? (Olhava a escada da sala de visitas, que parecia extraordinariamente vazia). Era uma sensação do corpo, não da mente. As sensações físicas que acompanhavam a visão dos degraus vazios se tornavam extremamente desagradáveis. O querer e não ter transmitia a todo o seu corpo uma insensibilidade, um vazio, uma tensão. Querer e não ter - querer e querer - como isso atormentava seu coração!"

pintura de Edward Hopper

WOOLF, Virginia. Passeio ao Farol. Trad. Luiza Lobo. Riográfica, 1987.

6 comentários:

  1. Isso tudo é do Passeio ao Farol? Preciso reler. E urgente.

    Abraço.

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  2. Há algumas coisas engraçadas sobre ela (engraçadas sim, porque havemos de vê-la sempre em Ofélia? Há de ter tido risos, também). Nasceu e morreu no mesmo ano de Joyce e tinha dele uma nada lisonjeira visão: “Um enjoado sem licenciatura a coçar furiosamente as borbulhas”
    Também escreveu a biografia de um cão, um cooker spaniel castanho (sim, está bem, era de Elizabeth Barret Browning e dizer a história de um é contar a história de outra). Aqui, primeiro capítulo da biografia de Flush:
    http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u745.shtml

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  3. E o comentário foi antes de eu dizer que o post, além de envolvente em letras, está lindamente ilustrado, agrada-me - especialmente - a solidão que Hopper pinta.

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  4. Sim, Milton, são pequenas amostras do Passeio ao Farol (que aparece com outros títulos em outras edições, Ao Farol, Rumo ao Farol). Incluí a referência ao final para não deixar dúvidas, havia esquecido. Também preciso reler, de preferência em férias numa praia no inverno, como foi quando da minha leitura (em Torres, mais precisamente, vazia, numa semana de agosto com chuvisco e muito vento).

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  5. Borboleta, pra mim o que diz Virginia tem foro de lei divina. Se assim ela disse, assim considero Joyce (pelo menos até lê-lo, mais um praquela lista de pendências!)
    Agrada-me e perturba-me a solidão solar de Hopper.

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  6. Correndo e com login errado só pra dizer que é confortável, pra mim que nunca transpus a tradução de Houaiss para Ulisses, concordar com ela. Mas, dizem, a "nova" tradução de Bernardina da Silveira recupera a coloquialidade da escrita de Joyce e torna a leitura divertida. Diversão nunca foi uma palavra que eu relacionasse com Ulisses (mais ou menos como para Scarlett nunca relacionou com casamento)...ainda pretendo tentar. Mas, admito, fica no terço final da minha lista de pendências.

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