Não há uma oposição tão óbvia entre ritmo e melodia quanto pretende a cultura ocidental. Se a batida de um tambor for acelerada a ponto de não distinguirmos os recortes de tempo (a partir de cerca de 10 ciclos por segundo), inicia-se o processo de formação da altura melódica - até que, de fato, o ritmo se torna melodia. Da mesma forma, mas no sentido inverso, se as frequências melódicas forem reduzidas a ponto de as vibrações se tornarem discerníveis, perceberemos que a melodia se decompõe em ritmo. O sampler permite a experimentação desse fenômeno, convertendo tom em pulso, o que revela um surpreendente paralelo entre as tradições musicais do planeta: "relações que a música européia desenvolveu no campo das alturas, a música africana desenvolveu no campo das durações". Está formado o enigmático e luminoso elo que une Bach aos pigmeus do Gabão.
O ritmo alfa, nosso padrão frequencial de funcionamento do cérebro, pulsa numa faixa que se situa justamente no limiar da passagem do ritmo à melodia. Dado que o ritmo alfa está na base das percepções captadas por nosso cérebro (como o demonstra o eletroencefalograma), inclusive de tempo, resulta que ele é o "nosso diapasão temporal, o ponto de afinação do ritmo humano frente a todas as escalas rítmicas do universo, e que determinaria em parte o alcance do que nos é perceptível e imperceptível".
Este é apenas um dos encantamentos da vida que nos revela o livro "O Som e o Sentido" de José Miguel Wisnik. O nome deste blog reverencia esta obra tão instigante, e faz eco ao desejo de ouvir o(s) mundo(s): "som dos anjos, dos astros, dos deuses, dos demônios; música dos homens, das musas, das máquinas".
Estão lançados, portanto, os principais temas deste blog: arte, música, literatura, ficção, realidade, sonho, percepção, consciência, transcendência, tempo. Simplificando: não há tema; este é apenas mais um blog habitando o lugar-nenhum cibernético.
Li tudo, do último ao primeiro. Primeiro com interesse, depois com inquietação e, progressivamente, com deleite. Vou ficando, se não se importa.
ResponderExcluirEu me importo, sim, e faço questão de dizer "fique à vontade" e essas coisas que diz todo anfitrião - servirei chá (não, café e coca-cola), limparei aquela manchinha que está há anos sem ser percebida, alisarei as superfícies, esconderei a bagunça. E me sentarei no trono de meu apartamento com a boca escancarada cheia de dentes, pensando: "há visitas na sala de estar!"
ResponderExcluirObrigado pelo coment, muito bacana.
E se não houvesse tantos outros motivos pra esticar as pernas e arregalar os olhos - como a cena de Morte em Veneza que está no Top 10 da formação da minha identidade pessoal, a apresentação de Onetti que já se tornou uma obrigação de abril pra mim e a divertidíssima Trupe Chá de Boldo que não consigo parar de ouvir - ainda acerta matematicamente: café e coca-cola, chá só se estiver doente á beira da morte. Ou for encontrar Virgínia Woolf.
ResponderExcluirMas eu gosto de bagunça, pode deixar.
Ha, borboleta, sou mais matemático do que pareço. Friamente incluí aquela coca-cola gelada e o café após ver o menu da tua apresentação no teu blog. Aliás, já ando frequentando teu blog, em busca, quem sabe, de mais elementos para compreensão da distante galáxia do mundo feminino, este buraco negro que a tudo arrasta e que ninguém decifra.
ResponderExcluirEntão, eu sou dessas. Dessas que papeiam enquanto o povo me dá corda. E, confesso, ainda mais que as coincidências aprecio as delicadezas. Se o café foi intencional, mais confortável eu fico. Quanto às visitas lá, fique à vontade, espreite as frestas ou escancare as portas, mas posso simplificar a questão do feminino pra você (e poderia tê-lo feito pra Freud, se ao menos ele tivesse me perguntado...). Já que a matemática está em alta: cada mulher é um SUDOKU, simples não?
ResponderExcluirBom, tem uma particularidade: cada coluna ou linha tem resultado diferente. Daí o senão é descobrir se é seu número. E, claro, a conta não fecha.
PS. Tergiversei sobre seu post sobre o ùtero por lá, achei por bem te avisar antes que esbarres...
Prosseguindo com a matemática: eu sou daqueles que, como Borges e Onetti, vive a se perguntar se 2 + 2 é mesmo igual a 5. Talvez 2 + 2 não seja igual a 5. A física quântica já não sugere algo assim? E se 2 + 2 não for igual a 5, bingo! O sudoku feminino não poderá nunca ser desvendado, e poderemos então, finalmente, viver em paz com nossa racionalidade, simplesmente aceitando com naturalidade o fato de que 2 + 2 não é igual a 5, e mulheres não devem fazer sentido.
ResponderExcluirBom, no meu credo particular:
ResponderExcluir1. 1+1 é sempre mais que 2 e suspeito que só em raras e aleatórias situações 2+2=4 (Geralmente quando estou assistindo 1984, aliás gosto muito, você já viu?).
2.Nunca fazer plural com mulher. No meu caso, sou assim: "Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é possível fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada." (e aí estou sendo plural com Clarice o que comprova sua quântica tese de que mulheres não devem fazer sentido).
3. Já que Borges entrou no jogo, pode-se transformar o Sudoku em um labirinto. Ou em uma biblioteca. Ou, melhor, melhor (homenagenando: o horror! o horror!): uma biblioteca em forma de labirinto. Dá no mesmo, todas as referências à mão e a impossiblidade de compreender (ou, pelo menos, alardear).
PS. Vou ficar pensando se é uma possiblidade lógica ou um oxímoro.. "Viver em paz" e "racionalidade"
PS2. Eu avisei que falo muito?
Racionalidade é um fantasma, mas viver em paz... dizem que há uma montanha na Eslovênia onde vive um pastor de ovelhas que toca flauta e não sabe o que é relógio; infelizmente, ele não deve ter blog.
ResponderExcluirCredo, eu me dei conta de uma coisa agora: levantei a dúvida da soma de 2+2 como sendo diferente de 5. Céus, a idéia já está tão impregnada em mim que cometi este ato falho; evidentemente eu queria dizer que talvez o resultado não fosse 4. Fiquei até preocupado agora. Estarei somatizando Borges?
Existe a biblioteca-labirinto, está em O Nome da Rosa, lembra? E existe A Imitação da Rosa, de Clarice. E existe 1984, que uma professora tentou passar numa aula, tendo sido vencida pela imaturidade barulhenta e impaciente e arrogante de meus nobres colegas (falo de ensino superior!). Digo, então, que tentei assistir, na medida do possível.
Agora anteção todos, muita atenção: "1+1 é sempre mais que 2". Bingo, borboleta, bingo, eu gostaria de ser o autor dessa idéia. Esta é uma verdade, simplesmente uma verdade.
Borboletas na Garganta seria um bom nome para quem fala tanto e tão palavrosamente.
Da eslovênia eu conheço apenas (e gosto muito) do Slavoj Zizek e do seu deserto do real. Mas, combinemos, alguém que leu Freud e Lacan nunca pode viver em paz.
ResponderExcluirIncorporando Borges? Um charme - e um risco - a mais. Evidentemente você queria dizer que talvez o resultado não fosse o óbvio e, já me sabendo, notou que o óbvio pra mim é o 5.
Eu gosto de O Nome da Rosa, meu Bond preferido em roupas de franciscano. Gosto especialmente da biblioteca e do riso ser o perigo maior. E gosto de você fazer de Clarice novelo, de um lugar ao outro ela dá a trama da conversa. Eu também vi 1984 pela primeira vez na Universidade. E revejo sempre. Todos os semestres,quase, quando agora sou a professora que insiste em mostrá-lo aos entediados e ruidosos alunos.
E eu gostei muito de "bater o bingo" aqui, eu que nunca ganhei nem sorteio de rifa. E gostei ainda mais do nome do meu próximo projeto> Borboletas na Garganta. Agora, o que é falar palavrosamente?
Falar palavrosamente, tu sabe, é dar vazão àquilo que angustiava Gui de Maupassant: "As palavras têm alma. A maior parte dos escritores e leitores só lhe pedem um sentido".
ResponderExcluirFalar palavrosamente também é colocar uma dúvida na cabecinha de um incauto rapaz que se preparava para ler Freud. Eu ainda não o li, nem a Lacan, devo ficar com minha esperança de paz ou penetrar na perdição?
Falar palavrosamente é provocar uma profusão de cócegas com o agitar de asas na garganta.
Entendeu, professora borboleta?
Eu sempre prefiro as veredas escuras e a vertigem dos abismos, assim me parece muito atraente penetrar na perdição (além do caráter fálico da referência que lembra muito diretamente os mencionados autores indicando-me que sim, é necessário, vital e premente lê-los). E deixando deslizar o significante, não deixa de ser interessante o Maupassant estar no texto, já que ele provavelmente partia da regra da dialética quantidade para qualidade no que tange às mulheres (para melhor entender Maupassant e suas mil mulheres, vá aqui: http://www.etudogentemorta.com/2010/05/orgias-orgias-orgias/
ResponderExcluirE, olha, esse seu dito: "provocar uma profusão de cócegas com o agitar de asas na garganta." acaba de igualar-se ao mais saboroso elogio que me lembro (vou esperar você perguntar qual é, pra não andar dizendo por aí que me gabo).
Por fim, uma pergunta séria: quando você diz que estava se preparando pra ler Freud é uma expressão retórica ou uma realidade temporal? Caso lhe interesse eu e três amigas (uma em cada canto do país: Curitiba, SP e eu, vamos fazer exatamente isso, caso você queira participar das nossas discussões seria muito bem vindo - estava mesmo tentando mais curiosos/entusiastas pra ver se a gente conseguia fazer uma estrutura de cartel).
Me perco no mosaico das asas da borboleta, labirinto de cores palavrosas.
ResponderExcluirFico realmente impressionado com tua capacidade de decifrar aquela imagem enigmática que nos devolve o espelho. Espelho, pra mim, é silêncio, como o reflexo do céu em águas calmas. E agora o silêncio está aqui do meu lado, eu posso acariciá-lo de tão presente, como se fosse um gato cheio de olhares.
Freud faz parte daquela lista de leituras pendentes que ficam pressionando os últimos espaços vagos entre os neurônios; junto com Jung, Montaigne, Hanna Arendt, Rimbaud, Mann, Wilde, Stevenson, Guimarães Rosa, e outros tantos que nunca li, ficção ou não. Me entusiasma a idéia de ser parte de um coletivo habitando a blogosfera, embora eu duvide um pouco da minha disposição e comprometimento. O que é que vocês têm em mente? Me dê mais detalhes do projeto de cartel.
Ah, e a curiosidade: a que encômio borboletas na garganta foi igualar-se?
ResponderExcluirEntão, destemido rapaz, vooê é do time do Roosevelt? só devemos ter medo do próprio medo? Eu não tenho temor de nenhuma outra limitação física, nem de envelhecer, adoecer, etc que me faça depender de outrem. Mas tenho um baita medo da cegueira, porque meu mundo é de letras mas me chega em imagens. Sem cinema eu não seria eu. Sem Degas eu não seria eu. Sem seriados engraçadinhos na Warner eu não seria eu. Acho que meu medo mesmo é de não ser mais eu, então.
ResponderExcluirSobre o elogio. Em uma situação que vale uma história a parte fui convidada a escrever em um blog que admiro muitíssimo. Lá, um dos autores escreveu que, pelo meu texto "O meu mundo ganhou uma geografia nova". Lindo em teor e lisonjeiro de quem veio.
Eu gostei muito do Borboletas na Garganta, está lá, título honorário por uns dias. A resistência das amigas não diminui a importância da sugestão nem o rubor advindo do elogio. Uma perguntinha: quando você acaricia o silêncio, ele ronrona?
Quanto à leitura de Freud (e, antes, uma expressão de horror e pressa: vamos ao Rosa, vamos ao Rosa, depois você ainda precisa de Cornélio Penna) sou tendenciosa, acho relevantíssimo lê-lo, tanto mais dizem que está superado. Além disso, gosto do seu (lucas, não Freud) jeito de recortar o mundo e dizê-lo, seria bom tê-lo nas discussões. Vou preparar um resumo sobre cartel e sobre a idéia e trago o link pra cá, certo?
Eu sou do time do Thoreau: "que perigo pode existir se não se pensa nele?". Mas eu esquecia de um medo que aparece no post de Morte em Veneza: de envelhecer perdendo toda minha inocência, e com ela o prazer - concretamente: medo de enjoar do adagietto, por exemplo.
ResponderExcluirPor certo tu já viu Janela da Alma, belo filme. Eu nem sabia que tu podia ter medo de não ser tu, porque achei tu era várias - borboleta, graúna, entre outras. Se tu ficar cega tu vai ser mais outra.
Percebi a resistência contra o borboletear na garganta, mas elas não deixam de ter razão quando associam com o incômodo; culpa da força das palavras que vencem a boca fechada.
Hahaha, me pegou no contrapé do silêncio com essa pergunta; existem melodias do silêncio (como as de Satie), e o rom rom rom é uma delas.
Esperando Freud (já que Godot não virá).
Comecei a escrever aqui, ficou enorme, pediu digressões, virou post. Dizendo de outro jeito e tentando ater-me a uma lógica de conversa:
ResponderExcluirPor vezes eu desejo ser um pouco mais blasè e ter olhos menos deslumbrados. Por outra,esta é uma certeza: morrerei ingênua e boquiaberta com cores, sons e letras.
O por certo tornou-se negativa. Não vi ainda Janelas da Alma, tinha receio de não gostar, muito incensado. Mas verei (quando achar na locadora). Justamente por ser várias e todas "eus" necessitarmos ver, é que tenho este medo de não (me) ver. Lisonjeou-me sua certeza que posso ser uma a mais.
Sabe, Borboletas nos Olhos é o nome de um conto que escrevi, antes, muito antes de pensar em ter um blog. Eu devia usá-lo como um cartão de visita, talvez.
"Me pegou no contrapé" você gosta de futebol? E torce pra algum time? (repare que são coisas diferentes, of course).
Freud virá, só não garanto que seja impávido que nem Muhammed Ali.
Está acontecendo em Porto Algre o Festival de Verão (hahaha, justo quando ele se foi) de Cinema. Olhei a lista de programação, onde só constam os títulos dos filmes, sem nenhuma outra informação. E os títulos me eram todos indiferentes, incluindo, ora vejam, Sapatinhos Vermelhos; sim, passou na sexta e no domingo. Eu não fazia idéia do que fosse; agora sei. Daqui uns vinte anos deve vir outro festival em que ele passe novamente.
ResponderExcluirTem outra coisa em Porto Alegre: um time que é fabuloso - aliás, sejamos justos, há dois times fabulosos em Porto. Mas um deles eu aprendi a gostar, por influência de meu pai, que por sua vez foi influenciado por Veríssimo (o Luís Fernando), quando este escreveu um texto sobre aquele time, que foi o que faltava para meu pai abrir os olhos e a alma ao futebol. Mas eu já gostei muito mais de futebol, hoje é algo que nem acompanho, mas gosto de jogos de vida ou morte, com muita violência e uma penca de gols. O melhor de tudo no futebol é a torcida, digo a torcida mesmo, aquela que está na arquibancada, aquela massa incrível rugindo... é fascinante ir ao estádio do meu time, nem precisa o jogo estar bom, basta que a torcida esteja sendo a torcida. Se teu time tirasse aquelas faixas negras do uniforme, estaria vestido da pura paixão que faz o sangue colorado, como sapatinhos absolutamente vermelhos.
Que seja doce, dizia Caio Fernando Abreu. Que seja breve, digo eu, quando em pressas. Mas, sei bem, ainda haverá magia em vermelhos daqui a 20 anos. E, se pode escolher estação, que seja outono.
ResponderExcluirVerissimo, Verissimo, Verissimo. Um dia eu quis ser a Adriana Falcão só pra ter uma contra capa escrita por ele. Leio desde quando lia Veja (aposto que você não viu a Carta Enigmática ao FMI nem o embate esportivo entre Deus e o Diabo - mas se pedir com jeitinho, partilho). Por causa dele, tenho simpatia pelo seu Internacional (e por velhinhas de Taubaté).
Eu sou uma apaixonada por futebol. Das que lê Nelson Rodrigues tratando de um jogo de várzea e chora. Das que assistem segunda divisão do campeonato paulista e torce. Das que zapeiam a tv em busca de um jogo, qualquer jogo. Das que vê o que poderiam ser e não o que são. Eu gosto dos passes longos, das tabelinhas, dos gols e, mais que tudo, eu aprecio os dribles. Assim, amando a beleza, só poderia torcer o que torço. E, sabendo esse time que sei, entendo em alma o que você escreveu sobre a torcida. Quando minha torcida canta no estádio (adoro ir ao estádio), meu coração canta pra não parar de bater. Mas quando penso em batalhas de vida e morte, não é no meu Mengo que penso, nem no seu quase Mengo (colocando-lhe negras faixas, saberia você da completude das pulsões: paixão e morte. Porque torcer é trazer no peito o impossível de ser sempre feliz). Penso na Batalha dos Aflitos. Porque os troianos também choraram Pátroclo, não é?
Sabe, além de Festivais de Inverno e dois times fabulosos, Porto Alegre tem outra coisa: é a cidade que já me fez chorar.
"Porque torcer é trazer no peito o impossível de ser sempre feliz": duvido que haja neste mundo maior elogio às cores rubronegras. Não tenho como fazer frente a esta frase, apenas posso fazer uma desconstrução pálida no sentido de que o torcedor nunca é assim tão consciente; ele é sempre um apaixonado crente na promessa de felicidade, e que, como o touro, só enxerga vermelho à sua frente - ainda que lhe espere a morte logo adiante.
ResponderExcluirPátroclo só foi lamentado por Aquiles e por Homero, o resto é lenda. Batalhas grandiosas, como Aquiles x Heitor, Inter x Barcelona, é que devem ser lembradas.
Como é esta história de um porto alegre fazer chorar?
Em rápidas estocadas, dois lances precisos:
ResponderExcluir- em livre associação, do torcedor/touro ao touro/amante foi um salto. Se não lhe for enfadonho, saiba-me aqui: http://migre.me/495Rp.
Você gosta de Almodovar? (se bem que gostar é termo impreciso pra tão fortes cores).
- quanto às lendas, faroeste é um dos meus estilos favoritos...Rastros de Ódio, Matar ou Morrer, Era uma vez no Oeste, tantos que estão em mim como já nem posso dizer. E, mais que tantos, O Homem Que Matou o Facínora. E, claro, a irrepreensível frase: ”Aqui é o Oeste, senhor. Quando a lenda vira um fato, publique-se a lenda.” Pois eu vivo no Oeste, meu caro. Publico lendas de Pátroclo chorado por honrados inimigos. Mesmo em silêncio inconfesso depois.
Sim, sua Porto Alegre me fez chorar de raiva, frio e solidão. Nem sei como contar sem parecer demasiado tolo. Fui a um Evento da minha área, apresentar um artigo. Não conhecia ninguém em POA, mas tinha conhecida em Curitiba. Perguntei: como vai o tempo? E ela: bom tempo. Jamais suspeitei que tempo bom fosse 6 graus e não 26. Cheguei à noite, no taxi, sequer um cumprimento (aqui, o taxista em poucos minutos está mostrando os pontos turísticos, inquirindo as razões de sua viagem e seu tempo de passeio, enfim). No hotel, mais fria indiferença. Na droga do quarto, caro e esnobe, nenhum aquecedor (ar condicionado sim, sei lá pra quê, devia ter alguém treinando pra ser pingüim). Na bagagem, roupas leves. Vento, vento, vento. Frio de dar cãibras. Comida sem gosto. Eu, muito, muito só. Doída no corpo, doída na alma, chorei de raiva. No outro dia cedo, compras. Foi isso. Bobo, mas já cantava Alceu: “a solidão é fera, a solidão devora...”. Outro artigo, outro evento, outra eu, fui a Balneário Camburiú, cheia de restrições e receios. Lá chegando, tanto riso e bem-vinda e cá chegue que podia estar no NE. Tão bom que podia ter ficado morando. Quase, quase.
Por fim, recebeu o documento do quase-cartel? Há resposta?
Aqui é o Uruguai do Norte, senhora. Quando a lenda vira um fato, publique-se a lenda: frio aqui é charme, é desculpa pra se encher de pano e se vestir melhor. Simpatia e calor humano são reservados às ocasiões privadas, ente amigos e bebidas. Ar condicionado é pra ter mais alguns botões em que mexer nas tardes tediosas de chuva. Vento gelado é carinho pras bochechas. Não existe solidão muito fera pra quem segura um chimarrão fervendo.
ResponderExcluirDevias ter ouvido Vitor Ramil antes de vires (comecei até a escrever com os "s" corretos só pra ficar mais gaúcho). Minha vez de indicar: http://www.vitorramil.com.br/textos/estetica_p.htm
Meu sonho é viver em Porto Alegre, sonho daqueles realizáveis. Daqui da província até lá são uns 35 ou 40 cansativos quilômetros.
Eu preciso rever Almodovar, principalmente Tudo Sobre Minha Mãe e Fale Com Ela; lembro com prazer de Volver, que assisti duas vezes no cinema; lembro a decepção de Má Educação, e não teve ainda um outro? Não sei bem, acho que prefiro Rastros de Ódio, O Homem que Matou o Fascínora e Shane (Os Brutos Também Amam). Também o faroeste de Kevin Costner, Open Range (não lembro o título nacional).
Não, Freud não veio - deve estar com Godot. Tu não ia colocar um link aqui?
Não discordo: roupas de frio são elegantes. Gosto. Já simpatia e calor humano não deviam ser sovinados, penso eu. Mas todo penso é torto, já dizia minha sertaneja avó (também tenho raiz, ora pois). Li e reli o Vitor Ramil em uma tristeza de fazer inveja à Ismália em sua torre. Porque ele escreve tão bem e tanta verdade que só posso concordar. E, entretanto, a irmã que escolhi e que me escolheu, mais do que amiga, é gaúcha de Rio Grande. Somos tão íntimas quanto se pode ser e há insuspeitos frios em mim e carnavais nela. A idéia da estética do frio é atraente, mas eu ainda prefiro “minha pátria é minha língua” ou “a espera de ver surgir a Cruz do Sul” como identificadores dessa ternura sem lógica por um punhado de nada. O certo é que li e ouvi e me enervo com minha net que lentamente traz esparsos sons de Ramil. Acho que estou viciada em Querências (que desbravo com lento vigor). Mando-lhe a conta da clínica de desintoxicação. Surpreende-me que seu desejo seja morar em Porto Alegre, confiava-me em LFV que contou que todos os gaúchos desejariam morar no Rio. Eu já quis, não no Rio, quando menina eu queria morar no Maracanã. Onde você colocava seus sonhos de meninice?
ResponderExcluirFico sempre contente quando encontro apreciadores do bom e velho oeste. Eu carrego esse amor em semi-isolamento em épocas de efeitos especiais demais e roteiros de menos. Sabe, considero Shane o mais clássico dos westerns. Não o melhor – o melhor tem que ter Wayne, o melhor entre os melhores cowboys – mas o mais clássico. Tem tudo em Shane: homem solitário de passado misterioso e rápido no gatilho, vastas e áridas paragens, saloon, conflitos por terra, duelo final (e falando em duelos, nunca me sai da memória o duelo em o bom, o mau e o feio...gosta?)
Se Freud já tiver achado seu cachimbo, já aí chegou. Notícias?
Deixava meus sonhos de meninice em casa mesmo; era uma casa grande, com um corredor imenso, pátio generoso, plantas, frutas, gatos, escadas, terraços, garagens, cantinhos, azulejos, murinhos. Me criei nesta casa. Os sonhos ficaram lá, tanto que quando passo na frente sinto uma corrente quase elétrica a me puxar.
ResponderExcluirAcho que não conheço o duelo a que tu te referes - o bom, o mau e o feio, pra mim é trio de ataque da seleção, algo assim como Kaká, Romário e Ronaldinho Gaúcho.
Freud me assusta. Eu gostaria de dizer sim, vamos lá, e honrar o convite, mas sei que não terei a disposição necessária para seguir um planejamento, acompanhar os outros, enfim, me comprometer. Já tentei fazer parte de um grupo de estudos de O Capital, quando isso me parecia a coisa mais importante do mundo, e não fui além dos primeiros encontros. Tenho dificuldade de me disciplinar, de manter por muito tempo o mesmo interesse, são coisas que Freud explica. Declino, agradecendo o convite e desejando boas trocas entre os participantes.
O bom, o mau e o feio, também conhecido como Três Homens em Conflito, é um western spaghetti dirigido pelo grande Sergio Leone e tem o Eastwood como (ironicamente, penso eu)o bom. A cena a que me referi se passa no cemitério e não vou entrar em detalhe porque este é daqueles: imperdíveis. Mas eu ri da sua escalação. Muito.
ResponderExcluirApetecível infância, a sua. A rua da casa da minha meninice tem portão na entrada e muro na saída. Resultado: segurança, autoconfiança, conforto. Acostumei-me com estradas. Gosto de viajar.
Quanto à Freud, tenho grande empatia pela sua recusa, também eu já tive tempos de poder escolher a não disciplina. Mas, quando for a hora, a sua hora, pegue Freud pelas bitacas e lhe exija tudo, tudinho. Só o que ele tem de assustador é a barba. Para sua inquietação e só a título de não-iniciação, um bom livro é: O que quer uma mulher do Sèrge Andrè. Obrigada pelos bons votos.