24 novembro 2025

Breve paralelo entre “Um retrato do artista quando jovem” e “Os irmãos Karamázov” 

Publicado originalmente em 12/03/2023 em outro blog pessoal desativado

Richard Thorn

São ambas epifanias arrebatadoras, decisivas na trajetória de dois jovens seminaristas em crise diante da dificuldade de conciliar suas aspirações com o mundo tal qual é. Stephen Dedalus diante da moça desconhecida na praia faz eco a Aliócha após o seu encontro com Grúchenka: 

“Um retrato do artista quando jovem” (James Joyce): 

Ele se afastou de repente dela e se afastou pela praia. Seu rosto estava em chamas; seu corpo brilhava; seus membros tremiam. Adiante, adiante, adiante e adiante ele foi, bem longe sobre a areia, cantando ensandecido para o mar, gritando em reconhecimento ao advento da vida que tinha gritado por ele. 

A imagem dela entrara em sua alma para sempre e palavra alguma rompera o silêncio santo de seu êxtase. Os olhos dela chamaram por ele e sua alma saltara em resposta ao chamado. Viver, errar, cair, triunfar, recriar da vida a vida! Um anjo ensandecido lhe surgira, o anjo da juventude e da beleza mortais, um enviado das belas cortes da vida, para abrir diante dele num instante de êxtase os portões de todos os caminhos de erro e de glória. Adiante, adiante, adiante e adiante! 

Ele se deteve subitamente e ficou ouvindo o coração em silêncio. Quanto tinha andado? Que horas eram? 

Não havia qualquer figura humana perto dele nem qualquer som lhe era trazido pelo ar. Mas a maré estava quase virando e o dia já minguava. Ele se virou para a terra e correu para a praia e, correndo praia inclinada acima, sem ligar para o pedrisco triscante, encontrou um cantinho de areia em meio a um aro de pequenas dunas cobertas de tufos e se estendeu ali para que a paz e o silêncio do entardecer pudessem lhe acalmar o caos do sangue. 

Sentiu acima de si a vasta abóbada indiferente e os calmos progressos de corpos celestes; e a terra sob seu corpo, a terra que o tinha gerado, que o tinha posto no colo.

(pág. 209-210, ed. Companhia das Letras, trad. Caetano Galindo) 

* * *

“Os irmãos Karamázov” (Fiódor Dostoiévski): 

Não parou nem no alpendre, desceu rapidamente os degraus. Sua alma cheia de êxtase ansiava por liberdade, por espaço, por amplitude. Sobre sua cabeça desmaiava a abóbada celeste inalcançável à vista e coberta de estrelas serenas e cintilantes. Do zênite ao horizonte desdobrava-se uma vaga Via Láctea. A noite fresca e quase imóvel de tão calma envolvia a Terra. As torres brancas e as cúpulas douradas da catedral resplandeciam contra um céu safira. Nos canteiros próximas à casa, as exuberantes flores do outono tiraram a noite num sono só, que se estendeu até o amanhecer. O silêncio da terra parecia fundir-se ao silêncio do céu, o mistério da terra tocava o mistério das estrelas... Aliócha observava tudo parado, e de repente desabou de joelhos sobre a terra como se o tivessem abatido. 

Não sabia por que a abraçava, não se dava conta da razão pela qual sentira uma vontade incontida de beijá-la, de beijá-la toda, mas ele a beijava chorando, soluçando e banhando-se com suas lágrimas e, exaltado, jurava amá-la, amá-la até a consumação dos séculos.

(pág. 488, Editora 34, trad. Paulo Bezerra) 

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