terça-feira, 31 de maio de 2011

The breathtaking blow

That night, I was expecting not the most beautiful girl, but the perfect girl. The perfect one - you can choose the perfect you need, the girl, the night, the silence, the smoke, the pain, the breath. Wathever, it was there: behind the curtain of the eyes, shining like a flame at end, when it looks like a little explosion that turned into the darkness. Restless in peace with your loniless, you don't catch her, she's gone. But you'll dream again and again, always hopefull to catch her, the god's dammed perfection - the night, the silence, the smoke, the breathtaking blow.



A estrela é Dexter Gordon e dispensa comentários. Mas o que faz Freddie Hubbard no trompete a partir dos 3m23s é algo. É como ficar pendurado num fio de esperança, que se estica e rebrilha e se retorce, mas não se rompe. É uma judiaria. Hubbard é um grande filho da mãe, não devia fazer isso com o fiapo que resta da noite. Ela não virá, e o desgraçado nos joga na cara nossa tolice cheia de desejo.

Gordon responde, sempre num tom de engasgo roufenho, como se se afogasse em toda a fumaça que a noite acumulou no ar pesado. E ainda tem a cara de pau de grasnar aos 5m14s, como se a sua situação fosse melhor, ou pior. É a mesma, na verdade; somos todos uns tolos por querê-la, à noite perfeita.


Try Ballads.

domingo, 29 de maio de 2011

Noturno para um beijo

Estrela cadente cruzando
o céu da boca,
é desejo se realizando
em outra língua.


águas agitadas - Escher


sexta-feira, 27 de maio de 2011

Mata-página

Tracei na página em branco
uma facada.
Deixei cicatriz escrita
e história mal contada.

a cutilada de Borges

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Fotografias encontradas nos escombros do terremoto-tsunami japonês




Lembro que era fim de tarde e uma voz vinha da cozinha:
- O tempo é esquecimento.
E não encontro na história quem te inventou, memória minha.



quarta-feira, 25 de maio de 2011

Délibáb



Eu ainda não conheci uma mulher que fosse como uma música, como uma boa música. Uma milonga do Ramil, por exemplo, é misteriosa, insinuante, obscura e um tanto inacessível quando a conhecemos. Na verdade, ela não nos desperta os instintos mais básicos e imediatos logo nas primeiras aproximações. Mas, se se tem a sorte ou a persistência de voltar a ela, é como revisitar uma miragem - ainda é ela, mas já é outra, ou nunca foi isso? É um reflexo invertido e vacilante, parece uma ilusão mais viva. Volta-se à milonga, muitas vezes mais, com uma fome encantada de luz e sombra: a completa nitidez é mágica. Já tenho ela, a milonga, aqui dentro de mim, cravada em raízes de companheira tão alegre e tão bonita e tão sólida e tão verdadeira e tão viva, como se fosse umbu frondoso em campo aberto. E é só uma milonga, ou uma sequencia delas.

Porque se fosse mulher, seria tudo ao contrário. Primeiro o encantamento, tão arrebatador quanto efêmero, com os nervos à flor da pele. Depois a pele, já sem flor, virando casca dos dias e das noites iguais. Recém o copo transbordou e já parece vazio; recém o corpo transgrediu e já parece que esgotou. Volta-se a ela, muitas vezes mais, e parece cada vez mais tristemente nítida - como se fosse o vinco de uma velha roupa colorida -, e parece cada vez mais melancólica miragem - como se fosse uma promessa de nossos pais. Termina por se tornar inacessível e, por sorte ou persistência, despertar ainda um único instinto: o ciúme. E é só uma mulher, ou uma sequencia delas.

P.S.: eventuais leitoras não devem se ofender. Há muito humor neste textículo - chamem-me de inglês, mas há muito humor sim. Basta de mulher-samambaia, mulher-melancia, mulher-maravilha; eu quero é mulhermilonga.

P.S.1: no meu mundo ideal não há mulheres. Elas não existem e não fazem falta alguma. Tampouco há homens. O que há é sereias encantadas e semideuses tocando milongas. Coitado do homo-sapiens, tão ultrapassado pela imaginação!

P.S.2: existe mulher-sinfonia? Mulher-quarteto-de-cordas, mulher-concerto, mulher-suíte, mulher-cantata? E a mulher-samba, que dizem ser tão comum e eu também não conheço? Porque se existem, eu quero; uma de cada, por favor. E pode colocar na conta do homo-sapiens, que desistiu das sereias encantadas.

P.S.3: que disco deslumbrante. Na ordem correta: link para informações, link para o crime e link para a compra.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

O nada

"O Nada é a palavra que mais assusta o comum das gentes. Mas, para exorcizá-lo ninguém precisa ir aos padres, às mães-pretas, aos índios velhos, ao diabo: basta ir a um dicionário e verá que o nada não existe. Sim, é uma coisa tão absurda como a existência do mundo."

"Na volta da esquina", de Mario Quintana, ed. Globo, 1979, pág. 89-90

pôr-do-sol em Marte  (NASA's Mars Exploration Rover Spirit)


o nada está em tudo
em cada tic
em cada tac
o nada enche copos
enche sacos
enche vidas
até o obrigado é de nada
e daqui há bilhões de anos
quando o sol explodir
o que vai ser de todo esse NADA?
(e ainda resta tanto a ser dito sobre o nada...)


quarta-feira, 18 de maio de 2011

Orlando, de Virginia Woolf

Mesmo considerando algumas ironias, o prefácio da autora menciona nada menos que 50 amigos que a ajudaram na feitura de Orlando. Se considerarmos que cada pessoa pode ter até 2.052 eus, teremos uns 102.600 eus Orlandos. Nada mais precisa ser dito para que se reconheça o mérito de Orlando em ser a mais monumental obra literária já realizada, o tecido mais inteligente da ventura humana com as palavras escritas, a mais consciente manifestação do inconsciente coletivo de um indivíduo.

Reflection (self portrait) - Lucien Freud

"Quando isso aconteceu, Orlando deu um suspiro de alívio, acendeu um cigarro e soprou em silêncio um ou dois minutos. Depois, chamou hesitante, como se a pessoa que procurasse pudesse não estar ali: "Orlando?" Pois se há (por acaso) setenta e seis tempos diferentes, todos pulsando simultaneamente na cabeça, quantas pessoas diferentes não haverá - valha-nos o céu -, todas morando, num tempo ou noutro, no espírito humano? Alguns dizem que duas mil e cinquenta e duas. De modo que é a coisa mais natural do mundo uma pessoa chamar, logo que fique sozinha, Orlando? (se esse é seu nome), querendo com isso dizer Vem, vem! Estou mortalmente cansada deste eu. Preciso de outro. Daí as mudanças assombrosas que vemos em nossos amigos. Mas isso também não é muito fácil, pois, embora se possa dizer, como Orlando disse (achando-se no campo, e necessitando talvez de outro eu) Orlando?, o Orlando de que ela necessita pode não vir; esses eus de que somos constituídos, sobrepostos uns aos outros como pratos empilhados na mão do copeiro, têm suas predileções, simpatias, pequenos códigos e direitos próprios, chamem-se como quiserem (e muitas dessas coisas não têm nome), de modo que um só virá se estiver chovendo, outro, se for num quarto com cortinas verdes, outro, se a Sra. Jones não estiver lá, outro, se lhe pudermos prometer um copo de vinho - e assim por diante; pois cada pessoa pode multiplicar com a sua própria experiência as diferentes condições que impõem os seus diferentes eus - e algumas, de tão ridículas, nem podem ser impressas em letra de forma." (pág. 183)

"Orlando", de Virginia Woolf, trad. Cecília Meireles, ed. Círculo do Livro, 1989.

domingo, 15 de maio de 2011

Appalachian Spring, concert suite after the ballet (St. Louis Orchestra) - Aaron Copland

Vocês terão de alcançar uma impossível imitação da natureza, com seus miseráveis instrumentos de pau e corda. Vosso barulho terá de captar o profundo silêncio de uma montanha amanhecendo. Vossa sofreguidão de sopros e dedilhados terá de ser leve e indestrutível como o viço da semente. Nenhum de vossos arroubos de secreto romantismo terá coragem de se manifestar diante do vôo altivo e rapinante da águia nua. Estourarão as manadas de búfalos, correrá o riacho sobre as pedras, balançarão os capins ao som do vento - mas calem suas palavras, tão mesquinhamente humanas, tão covardemente lógicas. Somente é possível o mergulho na água se for por inteiro e de uma vez, sem experimentar nem medir com ponta de cautela. Somente será tolerado o respeito diante do abismo, nunca o medo de errar. Pois nem a flor mais delicada vacila de sua beleza efêmera, mesmo debaixo do tropel eterno das manadas selvagens e cegas. Vencido o desafio de esquecer que a morte existe; tendo aceitado que tudo o que existe é vida, vida, e vida sobre vida, explosões de vida, eternidades de vida, silêncios de vida, lutas de vida - tendo enfrentado e vencido o desafio da vida, aptos estarão a desfrutar da liberdade. Morrerão vossos deuses, murcharão vossas finalidades, fenecerão vossos objetivos - aqui é o paraíso. Bem-vindos à primavera nos Apalaches.



Uma pesquisa pela internet comprova que meu delírio não tem fundamento. Os Apalaches são meramente decorativos; o título do balé foi o último ingrediente da peça de Copland; spring, neste caso, não se refere à estação, mas a wellspring, fonte, manancial; o balé envolve a vida de um jovem casal às voltas com a construção da casa, parece.

Às favas com a objetividade. Ouçam a suíte orquestral numa manhã nublada e o dia inteiro ficará iluminado e brilhante.

O link expirou, mas aí está, a título de informação:

sábado, 14 de maio de 2011

Ela pergunta, ele responde



- Descreva o nosso sexo - veio o desafio.
- Esfinges sem segredos.

"O retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde, pág. 210

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Matam as baratas porque elas são feias

"E a beleza é uma forma de genialidade; é, na verdade, mais elevada do que a genialidade, pois não carece de explicação. Pertence aos grandes fatos do mundo, como a luz do sol, a primavera, o reflexo das águas turvas, ou aquela concha de prata a que chamamos lua. Não pode ser questionada. Possui o direito divino de soberania. Os que a têm, ela os faz príncipes. Você ri? Pois não vai rir quando perdê-la! Vez que outra, as pessoas costumam dizer que a beleza é coisa superficial. Mesmo que o seja, não é, ao menos, tão superficial quanto o pensamento. A beleza, para mim, é a maravilha das maravilhas. Apenas as pessoas superficiais não julgam pelas aparências. O verdadeiro mistério do mundo é o visível, e não o invisível."
"O retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde, trad. José Eduardo R. Moretzsohn, ed. L&PM, p.28-29


Das filhas que o Orgulho teve com a Necessidade, a Beleza é a mais cobiçada. A Beleza é cobiçada até pelos filhos bastardos da Solidão. E eis que percebo que posso desposá-la, pois que a Beleza sorri para mim. Mas eu, que já não sou mais um sátiro (nunca o fui, na verdade) tenho minhas intimidades com Orgulho, o pai severo, e com Necessidade, a mãe caridosa - bem sei que eles não valem o que comem, que a fraqueza alheia é seu alimento, que convenientemente se auto-justificam. Eu não sinto por ela - falo da Beleza - nada mais que a obrigação de retribuir-lhe os sorrisos, o que nos leva, então, a nos consumirmos na casa do Orgulho e da Necessidade. O preço que se paga por desprezá-la? Tirem-me em libras de minha carne seca, mas preservem cada gota do meu sangue digno e rubro. A grande avó de todos nós - gregos e troianos, crentes e pagãos, mercadores e selvagens, senhores e escravos -, a força primitiva que a todos nós engendrou em seu ventre brutal e sensual, chama-se Liberdade.
Bem se vê quão medíocre é a Beleza perto de sua avó.

Mia Wallace de Pulp Fiction por Jason Levesque

sábado, 7 de maio de 2011

Variações sobre o ritmo felino

E já que o assunto é conversa de mamíferos, há flagrantes de diálogos entre consagrados escritores e seus gatos - quantos não terão roubado idéias felinas?

Há os que trabalhavam juntos, em perfeita harmonia, como Sartre.



Hemingway já parecia um pouco mais desconfiado da interferência felina em seu trabalho.



Há os que preferiam se unir no descanso, como Edward Gorey.



Supõe-se que alguns gatos sejam levados à exaustão após horas e horas de escrita e leitura. Alberto Moravia parecia triunfar sobre este fato com um discreto sorriso.



Cortázar cultivava uma saudável distância de seu bichano, procurando por novos olhares. O argentino, não satisfeito em brincar de amarelinha com seus leitores, também envolvia seu gato em algum jogo.



Agora, cá entre nós: mais divertido é um gato envolvendo alguém num jogo. E quando esse alguém é Jorge Luís Borges, já na sua senilidade cega, há que se respeitar o bichano atrevido.



George Bernard Shaw não tinha a mesma paciência, certamente. Ou este seria o estilo irlandês de fazer afago?



Existiram homens mais intrépidos que felinos. Twain parecia aventurar-se nas alturas com mais desenvoltura do que seu desconfiado companheiro.



Existiram homens cuja fama de libertinagem, devassidão e indecência foram seriamente afetadas por um singelo ron-ron. Bukowski parecia aceitar a situação com algum contentamento.



Raymond Chandler gostava de testar a eficácia de suas histórias criminosas e nebulosas em seu espantado e atento interlocutor felino.



Kerouac deve ter aprendido com seu gato que o olhar alcança o que a verborragia apenas almeja.



De que filme tão divertido estariam relembrando André Bazin e seu gato?



Em que história tão absorvente estariam navegando as mentes de Marlon Brando e seu gato? (ok, ok, nem Bazin nem Brando eram exatamente escritores, mas as fotos pediam lugar aqui)




Há muitas outras fotos no tumbler Writers and Kitties, de onde saíram a maioria destas.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Pensando bem...

E se bombardeassem as catacumbas do american way of life, quantos terroristas não morreriam?

Abril de 2011, tornado nos EUA


parágrafo

[como fazer anoitecer com palavras impressas]

"Houve silêncio. No aposento, a noite escureceu. Sem fazer ruído e com pés prateados, as sombras vieram do jardim, entraram. As cores, cansadas, esvaíram-se das coisas."
"O retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde, trad. José Eduardo R. Moretzsohn, ed. L&PM, 2010, pág. 113

"Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia."
Conto "Amor" em "A imitação da rosa" de Clarice Lispector, ed. Artenova, 1973, pág. 32