sábado, 29 de outubro de 2011

chama de mar [cantocaetanares]

nada nada nada nada
que há de chegar
o mar

chama chama chama chama
que há de vir
queimar

que mar chama
vela de barco
acesa

chama sol chama
                arde
                queima
vem sol flama
chama verão
chama virão
verões

nada nada nada nada
chama chama chama chama

aguafogo aguafogo
afogo apago engulo
antropofagizo mar
que nada que chama

chama de vela
de barco acesa
no mar que nada
chama verão

chama que queima
no mar que chama
nada
de vela de barco
acesa em chamas
de sol

Austrália, 2000 - by Trent Parke

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Pra ver a banda passar

Boas músicas, bons vídeos, boas bandas. E novas.








Os brasileiros Burro Morto e Blubell eu acabo de conhecer. Pitanga em Pé de Amora lançou seu interessante disco de estréia no início do ano, como tinha deixado a dica o Fósforo. Os britânicos do The XX também estrearam com um disco muito bom, de 2009 - por vezes soa como uma combinação atualizada de Portishead com Joy Division - sensual, soturno e chacoalhante ao mesmo tempo.

domingo, 23 de outubro de 2011

Senão Bach


Hoje eu entendi porque é que costumo acordar angustiado nas manhãs de sábado. É o assombro da liberdade combinado com o prévio saber de que nada é do jeito que eu quero; é a liberdade misturada com o fato de que, mesmo tudo sendo possível, não adianta fazer nada, pois vou querer sempre o impossível.

Acho que é a primeira vez que entendo isso objetivamente. Aconteceu quando eu almoçava sozinho em casa, ao som daquela suíte desesperadamente bela do Bach. Foi uma revelação - mas serena, tranquila, desprovida da própria angústia que caracteriza o que sinto.

Nossa, tanta coisa ao meu alcance! Tanta felicidade, tanta conquista, tanta descoberta, tanta vitória! Estão lá, à minha espera, eu sei. Eu, quase rico, quase belo, quase maduro, quase sempre angustiado: que falta que me faz a outra metade de tudo. Mas a tragédia de se estar completo - heroicamente completo no Olimpo - tampouco me satisfaz. O que, deuses meus, pode aplacar a minha angústia - senão Bach?

Abaixo, diversas e diversificadas boas versões da segunda peça (Air) da Suíte Orquestral nº 3 BWV 1068 (também conhecida como Ária na 4ª corda, ou da corda Sol):

Versão tradicional com a Amsterdam Baroque Orchestra regida pelo tourettico Ton Koopman. Dica do Milton Ribeiro.


Acompanhada pelo piano, a solidão do violino de Sarah Chang.


A combinação que me parece mais apropriada: violoncelo e piano (pena o áudio ruim).


Versão para flugelhorn. Coisa mais bonita não há.


Perfeita transcrição para violão! por Peo Kindgren.



Swingle Singers, só na voz.


Magnífica interpretação de orquestra de clarinetes.


Eu lhes confesso: não há nada que eu admire mais do que essa peça de Bach. Ouvi pela primeira vez na televisão, num anúncio que pedia doações para alguma entidade beneficente de Porto Alegre. Nunca ajudei a tal entidade; eles é que me deram uma força sem igual.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Sensacional entrevista com Mr. Chinaski




Achei entre os meus papéis uma entrevista que fiz com Mr. Chinaski quando ele veio à Feira do Livro de Novo Hamburgo, uns anos atrás. Entrevistei-o às pressas, na delegacia, enquanto ele assinava um termo circunstanciado, após ter aberto a cabeça de um travesti com uma garrafada. Não sei como, mas ele servia-se de uma vodca sobre o balcão do escrivão.

- Mr. Chinaski, não bastam os problemas que o senhor já tem quando sóbrio?

Esse é o problema com a bebida [falava, enquanto enchia o copo]. Se acontece uma coisa ruim, você bebe pra esquecer; se acontece uma coisa boa, você bebe pra comemorar; se não acontece nada, você bebe pra que aconteça alguma coisa. (pág. 167)

- E o amor? O amor supera isso tudo, não?

O amor é bom pros que aguentam a sobrecarga psíquica. É que nem tentar carregar uma lata de lixo abarrotada nas costas, nadando contra a correnteza num rio de mijo. (p. 172)

- O senhor não acha que o amor colocas as pessoas em sintonia?

Nada está em sintonia, nunca. As pessoas vão se agarrando às cegas a tudo que existe: comunismo, comida natural, zen, surf, balé, hipnotismo, encontros grupais, orgias, ciclismo, ervas, catolicismo, halterofilismo, viagens, retiros, vegeterianismo, Índia, pintura, literatura, escultura, música, carros, mochila, ioga, cópula, jogo, bebida, andar por aí, iogurte congelado, Beethoven, Bach, Buda, Cristo, heróina, suco de cenoura, suicídio, roupas feitas à mão, vôos a jato, Nova Iorque, e aí tudo se evapora, se rompe em pedaços. As pessoas têm de achar o que fazer enquanto esperam a morte. (p. 172)

- Os escritores também escrevem esperando a morte?

Tem um problema com os escritores. Se o livro de um escritor foi publicado e vendeu um montão de cópias, o cara se acha um grande escritor. Se o livro de um escritor foi publicado e vendeu um número razoável de cópias, o cara se acha um grande escritor. Se o livro de um escritor foi publicado e vendeu muito poucas cópias, o cara se acha um grande escritor. Se o livro de um escritor nunca foi publicado e o cara não tem dinheiro suficiente para publicá-lo por si mesmo, aí é que ele se acha de fato um grande escritor. Mas, a verdade é que há muito pouca grandeza. Quase inexistente. (p. 136)

- Por que o senhor quis virar escritor?

Próxima pergunta, por favor. (p. 29)

- Quem é você, afinal? Como definir a essência do grande escritor Chinaski?

Eu como carne. Eu não tenho deus. Eu gosto de trepar. A natureza não me interessa. Nunca votei. Gosto de guerras. O espaço sideral me entedia. Baseball me entedia. História me entedia. Zoológicos me entediam. (p. 177)

- E as mulheres, Mr. Chinaski, porque elas o fascinam tanto?

Um sapato de mulher debaixo da cama; o jeito de elas dizerem "vou fazer xixi"; prendedores de cabelo; andar com elas pelos bulevares à 1:30 da tarde, só os dois, juntinhos; as longas noites bebendo, fumando, conversando; as brigas; pensar em suicídio; comer juntos e se sentir bem; as brincadeiras, as gargalhadas sem motivo; sentir milagres no ar; estar junto com elas num carro estacionado; lembrar de amores passados às 3 da manhã; ser avisado de que você ronca; ouvi-la roncando; mães, filhas, filhos, gatos, cachorros; às vezes morte, às vezes divórcio, mas sempre tocando pra frente, sempre chegando ao ponto final; ler um jornal sozinho numa lanchonete, nauseado pelo fato de ela ter se casado com um dentista de QI 95; pistas de corrida, parques, piqueniques nos parques; até prisões; os amigos chatos dela, os seus amigos chatos; seus porres, a dança dela; seus flertes, os flertes dela; as pílulas dela, as suas trepadas fora do penico, ela fazendo o mesmo; dormir juntos... (p. 221)

- O que está achando de Novo Hamburgo?

É bom sair do cortiço sujo e apinhado de gente em que moro. Não tem sombra; o sol nos fustiga sem piedade. Somos todos dementes, de um jeito ou de outro. Até os cachorros e gatos são dementes, mais os pássaros e os garotos jornaleiros e as putas. Pra gente, de Hollywood-Leste, as privadas nunca funcionaram direito, e os encanadores de carregação que o senhorio arruma não são capazes de consertá-las. A gente tem de deixar as caixas d'água abertas e acionar a descarga com as mãos. As torneiras pingam, as baratas pululam, os cachorros cagam em toda parte e os buracos nas telas deixam entrar as moscas e todo tipo de insetos estranhos com asas. (p. 207)

- E no entanto o senhor mantém certa elegância...

Nunca fui elegante. Minhas camisas são todas desbotadas, encolhidas, surradas, e já tem cinco ou seis anos. Minhas calças, a mesma coisa. Detesto as grandes lojas, detesto os vendedores, eles se fazem de superiores, parecem conhecer o sentido da vida, têm uma segurança que me falta. Meus sapatos são velhos e estropiados, e eu detesto lojas de sapatos também. Nunca compro nada novo, a não ser que as minhas coisas já estejam completamente inutilizadas - automóveis inclusive. Não é questão de economia; é que eu não tolero ser um comprador na dependência dos vendedores, aqueles caras tão altivos e superiores. Além disso, eu perco tempo, um tempo em que eu podia muito bem estar de papo pro ar, bebendo. (p. 205)

- Por que o senhor acabou não comparecendo à Feira do Livro?

Eu detesto gente, patotas, em qualquer lugar. Eu sumo na frente das pessoas, elas me drenam o sangue. "Humanitarismo, ninguém tem isso de nascença" - eis o meu lema. (p. 217)



Anos depois fui visitá-lo em Los Angeles. Gravamos um vídeo.




Chinaski, todos sabem, é o alter-ego de Bukowski. Todas as respostas, com mínimas alterações, se encontram nas páginas indicadas de "Mulheres", de Charles Bukowski, trad. Reinaldo Moraes, ed. Brasiliense, 1984.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Crônicas da Feira do Livro de Novo Hamburgo

Não são contos, nem delírios. São crônicas. Duas mal arranjadas crônicas sobre a Feira do Livro de Novo Hamburgo, que encerrou-se neste fim de semana.

Butão, 2011 - foto de Kevin Frayer


   Sentei numa das poucas cadeiras de plástico ainda vazias para ver o MV Bill. Quando ele apareceu no palco já estava lotada a praça. Fiquei olhando pra todas aquelas cabeças indistintas enquanto o cara se sentava na poltrona do palco, de um jeito desengonçado e sereno. O cara é grande, forte. Foi possível ver algumas tatuagens no antebraço. Deve ter uns dois metros de altura, pensei. Acho que ele precisa mandar fazer especialmente pra ele aqueles panos largões que ele veste. Ele começou a falar, respondendo as perguntas inócuas do entrevistador. Acho que ele nem precisava de microfone, pensei, tão grave e retumbante é a sua voz.

Reparei numa gostosa duas fileiras à frente. Tava cheio de gostosas, mas aquela estava numa posição conveniente ao meu campo de visão. E tinha peitos grandes, fartos. Que nega bem gostosa, pensei. Cada vez que ela torcia o corpo pro lado eu descobria mais uma delícia de prazer no seu perfil. A boca carnuda me deixou fascinado. Isso é uma nega nega mesmo, pensei. Pele preta mesmo, ainda mais escura que a do MV Bill. Tava cheio de negros e negras na platéia.

A minha nega tava ocupadíssima com o seu aparelho de telefone celular - ou seja lá o que for aquele tecladinho reluzente cheio de botõezinhos. As unhas impecavelmente vermelhas trabalhavam incessantemente naquele aparelhinho. Mandando mensagens ou e-mails, pensei. Talvez jogando algum daqueles passatempos bestas? De qualquer modo, não parecia ser nada muito importante, a despeito da atenção devotada.

Reparei também que ela estava vestida com capricho, bastante maquiada, com brilhos que cintilavam nas bochecas, nos lábios, nas unhas. O cabelo reluzia um negrume cacheado que devia ser muito cheiroso. Enormes argolas douradas pendiam de cada lado daquele pescoço que eu queria morder e beijar.

O MV Bill já estava encerrando sua fala. Recitava uma rima fácil demais pro meu gosto. Algo com falta de ética / droga sintética / polícia energética. As cabeças indistintas pareciam gostar, talvez pelo tal impacto social da mensagem. Mas a minha nega continuava voltada apenas às mensagens do celular. Mascava chiclé displicentemente e tinha ares de entediada.

Quando o MV Bill levantou pra sair, as luzes foram intensificadas, subiu o som da vinheta da Feira do Livro, estouraram aplausos e assovios, e a minha nega finalmente olhou pro palco, levantou também, deu um jeito de bater palmas sem largar o celular, e gritou: - Gostosoooooo!

Que nega bem gostosa, aquela.

11 de setembro de 2001 - foto de Larry Towell


   Cheguei cedo na praça pra ver o Arnaldo Antunes. Ainda tinha muitos lugares vagos. Escolhi uma cadeira próxima ao palco. Fiquei pensando nos motivos que me levavam até ali. O pouco que conheço da obra do Arnaldo Antunes não me entusiasma muito. A pequena multidão cult hamburguense tampouco me atrai. Mas era uma agradável noite de sábado e eu estava entediado.

Ainda faltava um bom tanto pra começar o bate-papo com o cara, quando chega uma família formada por mãe, filho e cachorro, e sentam-se bem à minha frente. O cachorro, no colo deles, deixava a língua escorrer pra fora da bocarra e me olhava inquieto, inquiridor. Às vezes dava um latido e precisava ser firmemente contido pelos primatas avançados que supostamente queriam ver e ouvir Arnaldo Antunes.

Pensei em sair, trocar de lugar, ir embora. Fiquei (pois não costumo transformar em ação o que formulo em pensamento; sou um primata pouco ativo). Fiquei pra ver o Arnaldo Antunes, embora a atração do momento fosse o cão na platéia. Platéia que se mostrava tão terna quanto admirada com a presença do canídeo ali, em território supostamente primata.

Primatas fêmeas, das mais esbeltas e charmosas e atraentes, multiplicavam-se entre a platéia. Eu e também o cão nos sentíamos deslocados. Ele por ser o único da espécie. Eu por não saber o porquê de eu estar ali, nem o porquê de eu querer ver o Arnaldo Antunes. Me senti melhor quando percebi que havia grande quantidade de belas mulheres no local. Fiquei.

Fiquei pensando no porquê de aquele cachorro estar ali, enquanto o Arnaldo Antunes respondia as perguntas banais do entrevistador. Reparei que a atenção da mãe e do filho voltava-se quase completamente ao cachorro: vigiavam, continham, admoestavam, acariciavam, bajulavam, repreendiam.

Acho que o cão não queria estar ali. Acho que a mãe e o filho não queriam estar ali. Acho que eu não queria estar ali.

Acho que Arnaldo Antunes não queria estar ali.

domingo, 16 de outubro de 2011

Aos mestres, com carinho

Aos mestres da música, ouvidos através do cinema.

Primeiro Mozart em Le Bonheur (podia o filme ter título mais apropriado em se tratando de trilha de Mozart?)



O maior de todos os mestres comparece para deixar ainda mais deslumbrante esta cena de La Route de Salina (filme obscuro, não encontro-o em lugar algum) - Bach interpretado pela flauta de Ian Anderson do Jethro Tull. Dica do Fósforo.



Por fim, Miles Davis em Ascensor para o Cadafalso. Trilha finíssima para um filme elegantérrimo. Na segunda metade do vídeo o diretor Louis Malle fala algo - me parece explicar que Miles grava a trilha improvisando sobre as imagens (no caso, Jeanne Moreau passando em frente às vitrines de Paris, desolada). Dica do zégeraldo.



 

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

parágrafo

foto de William Eggleston

[como criar deslocamento com palavras]

Ela [Dee Dee] me beijou e saiu. Desliguei a tevê e abri outra cerveja. Nada a fazer nessa terra além de encher a cara. Fui até a janela. Lá embaixo, na praia, Dee Dee, sentada ao lado de um jovem, conversava animada, sorrindo e gesticulando muito. O jovem também sorria pra ela. Me sentia bem em não participar dessas coisas. Me alegrava não estar apaixonado e não estar de bem com o mundo. Gostava de me sentir estranho a tudo. As pessoas apaixonadas, em geral, se tornam impacientes, perigosas. Perdem o senso de perspectiva. Perdem o senso de humor. Ficam nervosas, tornam-se chatas, psicóticas. Podem virar assassinas.
Dee Dee ficou fora umas duas ou três horas. Vi um pouco de tevê e datilografei dois ou três poemas numa máquina portátil. Poemas de amor - sobre Lydia. Escondi-os na minha pasta. Bebi mais cerveja.

"Mulheres", de Charles Bukowski, trad. Reinaldo Moraes, ed. Brasiliense, 1984, pág. 58

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O nome do qüera é Martin Fröst. Primeiro ele ataca com a estridente alegria klezmer do judeu argentino Giora Feidman:



(O sorriso do violinista não me convence muito, mas há uma oriental que ri bem lá no fundo, depois uma outra mulher de óculos sorri, e mais um outro logo na frente. Eles parecem se divertir. Eu me divirto, pelo menos).

E aqui o clarinete de Fröst passa ao largo da melodia, dando um tom especial ao conhecidíssimo tema da Ave Maria de Bach/Gounod.




quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Índia, 2011

[exorbitância]

O sol é lâmpada,
planetas são insetos,
e o universo noite
de verão



 Argélia, 1999 - Raymond Depardon

[tempus fugit]

O tempo é vento
O passado é mar
E a infância é uma praia

sábado, 1 de outubro de 2011

Cardiff After Dark


Cardiff, capital do País de Gales, tem uma vida noturna efervescente. E por que não teria? Não sei, só sei que causa alguma surpresa o trabalho do fotógrafo polonês Dakowicz, que passou cinco anos flagrando imagens de animação, bebedeira, libertinagem, fome e esquisitices da madrugada. A St. Mary Street fica fechada para carros, e as pessoas de fato usam o espaço público. E como usam. Mulheres que não aguentam o salto alto por toda uma noite, simplesmente andam descalças. Por outro lado, homens mijam em qualquer canto e vomitam sem muita cerimônia. Por que tanta gente deita no chão?










Eu fiz uma seleção das fotos menos absurdas. O ensaio completo Cardiff After Dark está no flickr, e parte das fotos também estão no site oficial do fotógrafo.