Berlim - by Elliot Erwitt |
Simpatizo com os Reis Magos. O tempo recorta nas minhas lembranças da infância três figuras esbeltas, longilíneas e misteriosas. Encurtam distâncias insuperáveis. Têm a generosidade aberta e receptiva de quem preza a dignidade entre os homens. Parecem mesmo não saber exatamente o que fazem, mas fazem mesmo assim, com a devoção e a discrição características da mais genuína elegância. De aspecto reservado, até distantes. Parecem comovidos, no entanto sem envolvimento sentimental. Estão envoltos naquela neblina feérica dos personagens que não dão explicações nem sentidos, apenas existem e representam. Estão lá, gravados em cores crepusculares e douradas, no oriente da minha imaginação.
Agora eles voltam, e talvez não sejam mais os mesmos de outrora – eu mesmo já não sou o mesmo. Mas eles voltam, porque estão dizendo por aí que é Dia de Reis. E eu, que agora sou esse que já deixou tanta lembrança pra trás, percebo que meu laço de simpatia com os reis está reforçado por outros quinhentos. Em especial, reforçado por um artigo: A Estrela dos Magos, do eminente escritor e cientista britânico Arthur Clarke, em que se especula sobre possíveis explicações naturais para o fenômeno celeste que poderia ter verdadeiramente guiado os antigos magos até Belém. Começa por descartar a hipótese de que pudesse ser Vênus a estrela fulgurante no céu do Oriente. Depois passa aos argumentos que desabonam a teoria do astrônomo Kepler (séculos XVI-XVII) da conjunção de Júpiter com Saturno. Passa, então, ao exame de possibilidades mais espetaculares, no sentido de que exploram mais vastamente os fenômenos astronômicos: “Muito bem, então: podemos nós descobrir algum fenômeno astrológico suficientemente assustador para causar surpresa ao homem já completamente familiarizado com os movimentos das estrelas e dos planetas e que possa ajustar-se ao relato bíblico?”.
O incrível brilho celeste pode ter sido obra de um cometa. Não parece muito animador, mas Clarke adverte para o fato de que o século XX foi pobre em cometas realmente espetaculares, o que poderia justificar nosso ceticismo com relação às testemunhas mais antigas deste fenômeno. Mas Clarke ainda busca hipótese mais “terrificante”, até chegar ao que chama de evento natural mais espetacular já descoberto: a explosão de uma estrela. “Verdadeiras bombas atômicas celestiais”, estas estrelas são chamadas de “novas”, e podem explodir de forma tão intensa que o seu brilho aumenta em até cem mil vezes dentro de poucas horas – de uma noite a outra, podem passar de invisíveis a dominantes do céu.
Mas ainda não estamos satisfeitos. As novas não são incomuns, embora geralmente ocorram tão longe que só podem ser observadas por telescópio. Precisamos de algo mais dramático e original, afinal nossos amigos magos não percorreriam tamanha distância se não estivessem profundamente comovidos e deslumbrados com o que acontecia no céu. “Duas ou três vezes em cada mil anos, porém, acontece algo que torna uma nova algo tão simples e irrelevante como um vagalume ao entardecer. Quando uma estrela se torna uma supernova, o seu brilho aumenta não cem mil vezes mas bilhões de vezes, no decurso de poucas horas. A última vez que tal acontecimento foi presenciado por olhos humanos foi em 1604 D.C. Houve uma outra supernova em 1572 D.C., tão brilhante que se tornou visível em pleno dia. E os astrônomos chineses mencionam uma em 1054 D.C.”
O brilho dessa supernova ainda deve estar percorrendo os abismos do espaço, quem sabe deslumbrando outros mundos e iluminando outras boas novas? (Aliás, a língua inglesa de Clarke impossibilitou-o de desfrutar do trocadilho latino: nova / supernova / boa nova – o que torna a sua hipótese ainda mais saborosa).
Hoje há um ar de noite antiga, ela está amena e silenciosa, embora eu possa sentir uma vibração que percorre os subterrâneos e manda sinais secretos e cintilantes para os céus. Nós é que deixamos de observar os céus, perdendo com isso, também, alguma parte da nossa nobreza de pequenos grandes homens. Já não se enxergam estrelas, já não há guias brilhantes – mas há sempre o nascimento de uma criança em nós, entre nós, depois de nós. E enquanto houver isso, deverão continuar existindo as figuras dignas e generosas que o tempo perpetua.
O artigo de Arthur Clarke se encontra em “O Terceiro Planeta”, ed. Hemus, 1972, trad. Attílio Cancian, pág. 46-55
mas que imagem!
ResponderExcluirElliot Erwitt é o cara. Bom te ver de volta. Não consigo postar coments lá no teu molly bloom, dá pau.
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