Eis minha seleção de filmes de 2016, com larga vantagem para os três primeiros colocados:
1º) A Academia das Musas (José Luis Guerín)
Praticamente um experimento narrativo que retoma o vigor das tradições mito-poéticas e filosóficas da Europa mediterrânea.
2º) A Luz Entre Oceanos (Derek Cianfrance)
Um melodrama cuja força se encontra, mais do que nas emoções que desperta, no uso de ricas metáforas de cunho religioso. A crítica progressista, entorpecida e insensível neste aspecto, limitou-se a reconhecer as deslumbrantes paisagens à la Turner e Caspar David Friedrich.
3º) 45 Anos (Andrew Haigh)
Ok, o filme é do final de 2015, mas caiu em 2016 para mim. Sóbrio, intimista, sem soluções fáceis. Se é verdade que o final de A Luz Entre Oceanos pode ser considerado uma concessão para as lágrimas açucaradas do grande público, aqui restam as lágrimas amargas de desilusão de Charlotte Rampling, num contraste desconcertante com a doçura romântica de “Smoke Gets In Your Eyes”.
4º) O Vale do Amor (Guillaume Nicloux)
O sentido do filme se revela em paralelo com o sentido da sua trilha sonora – a assombrosa composição “The Unanswered Question”, de Charles Ives –, sondando o mistério da existência a partir do trompete que rompe a placidez das cordas ao introduzir a questão do inefável, seguido pelos demais sopros, progressivamente dissonantes, mal articulando tentativas de respostas, que se tornam cada vez mais incoerentes até que parecem perder completamente o sentido.
5º) Sully (Clint Eastwood)
Numa narrativa impecável, Eastwood parece apontar que, se o Sniper Americano foi o último herói de guerra, Sully é o herói possível em tempos de crise de consciência e de perseguição àqueles que não seguem as cartilhas pré-determinadas.
6º) Cavaleiro de Copas (Terrence Malick)
Como explicar que o mais recente filme de um dos maiores diretores vivos, com um elenco que inclui Christian Bale, Cate Blanchett e Natalie Portman, não seja lançado nos cinemas do Brasil (apenas em meios como o Netflix)? Como bem observou Martim Vasques da Cunha, as narrativas de Malick estão em progressivo processo de implosão, acompanhando o colapso espiritual da modernidade. Se é verdade que isso dificulta a apreciação por parte do grande público – e, novamente, da crítica progressista –, também é verdade que estamos sendo privados de acompanhar no ambiente apropriado das salas de cinema uma das abordagens mais lúcidas e originais do cinema contemporâneo e uma reflexão essencial sobre a condição humana.
7º) Táxi Teerã (Jafar Panahi)
A narrativa apresenta uma proposta experimental semelhante a de A Academia das Musas, mas aqui formando um painel social de Teerã a partir das tribulações cotidianas de seus habitantes. Nos seus melhores momentos, revela um frescor e uma espontaneidade que estimulam nossa capacidade universal de empatia, reforçando, assim, um dos tantos potenciais do cinema – e das narrativas, de modo geral.
8º) Depois da Tempestade (Hirokazu Koreeda)
Algumas das virtudes dos filmes de Koreeda são também fontes de suas fraquezas. Afinal, a contrapartida de abordagens sutis, delicadas, minimalistas, quase desprovidas de páthos, é a de um certo distanciamento entre os personagens e o coração do espectador. Será tão somente o reflexo do distanciamento entre as culturas do ocidente e do extremo-oriente? Seja como for, neste filme o diretor encontrou melhor equilíbrio entre a doçura e a aridez, entre a impassibilidade e a angústia.
9º) Nossa irmã mais nova (Hirokazu Koreeda)
Koreeda, de novo. Se este filme não é tão bem equilibrado quanto o Depois da Tempestade, o encanto que emana das quatro protagonistas é de uma preciosidade rara. Ainda assim, o resultado é, novamente, uma obra um tanto inofensiva, no sentido de não atingir as camadas mais profundas de nossa sensibilidade.
10) Café Society (Woody Allen)
Alguém já disse que gostaria de, após deixar esta vida, reencarnar neste filme. É compreensível, considerando a dignidade e o charme dos personagens – principalmente a adorável mistura de astúcia e decência encarnada em Kristen Stewart. O romantismo desiludido deixa, ao final, um travo meio amargo que salva o filme de se tornar perfunctório.