sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Sensacional entrevista com Mr. Chinaski




Achei entre os meus papéis uma entrevista que fiz com Mr. Chinaski quando ele veio à Feira do Livro de Novo Hamburgo, uns anos atrás. Entrevistei-o às pressas, na delegacia, enquanto ele assinava um termo circunstanciado, após ter aberto a cabeça de um travesti com uma garrafada. Não sei como, mas ele servia-se de uma vodca sobre o balcão do escrivão.

- Mr. Chinaski, não bastam os problemas que o senhor já tem quando sóbrio?

Esse é o problema com a bebida [falava, enquanto enchia o copo]. Se acontece uma coisa ruim, você bebe pra esquecer; se acontece uma coisa boa, você bebe pra comemorar; se não acontece nada, você bebe pra que aconteça alguma coisa. (pág. 167)

- E o amor? O amor supera isso tudo, não?

O amor é bom pros que aguentam a sobrecarga psíquica. É que nem tentar carregar uma lata de lixo abarrotada nas costas, nadando contra a correnteza num rio de mijo. (p. 172)

- O senhor não acha que o amor colocas as pessoas em sintonia?

Nada está em sintonia, nunca. As pessoas vão se agarrando às cegas a tudo que existe: comunismo, comida natural, zen, surf, balé, hipnotismo, encontros grupais, orgias, ciclismo, ervas, catolicismo, halterofilismo, viagens, retiros, vegeterianismo, Índia, pintura, literatura, escultura, música, carros, mochila, ioga, cópula, jogo, bebida, andar por aí, iogurte congelado, Beethoven, Bach, Buda, Cristo, heróina, suco de cenoura, suicídio, roupas feitas à mão, vôos a jato, Nova Iorque, e aí tudo se evapora, se rompe em pedaços. As pessoas têm de achar o que fazer enquanto esperam a morte. (p. 172)

- Os escritores também escrevem esperando a morte?

Tem um problema com os escritores. Se o livro de um escritor foi publicado e vendeu um montão de cópias, o cara se acha um grande escritor. Se o livro de um escritor foi publicado e vendeu um número razoável de cópias, o cara se acha um grande escritor. Se o livro de um escritor foi publicado e vendeu muito poucas cópias, o cara se acha um grande escritor. Se o livro de um escritor nunca foi publicado e o cara não tem dinheiro suficiente para publicá-lo por si mesmo, aí é que ele se acha de fato um grande escritor. Mas, a verdade é que há muito pouca grandeza. Quase inexistente. (p. 136)

- Por que o senhor quis virar escritor?

Próxima pergunta, por favor. (p. 29)

- Quem é você, afinal? Como definir a essência do grande escritor Chinaski?

Eu como carne. Eu não tenho deus. Eu gosto de trepar. A natureza não me interessa. Nunca votei. Gosto de guerras. O espaço sideral me entedia. Baseball me entedia. História me entedia. Zoológicos me entediam. (p. 177)

- E as mulheres, Mr. Chinaski, porque elas o fascinam tanto?

Um sapato de mulher debaixo da cama; o jeito de elas dizerem "vou fazer xixi"; prendedores de cabelo; andar com elas pelos bulevares à 1:30 da tarde, só os dois, juntinhos; as longas noites bebendo, fumando, conversando; as brigas; pensar em suicídio; comer juntos e se sentir bem; as brincadeiras, as gargalhadas sem motivo; sentir milagres no ar; estar junto com elas num carro estacionado; lembrar de amores passados às 3 da manhã; ser avisado de que você ronca; ouvi-la roncando; mães, filhas, filhos, gatos, cachorros; às vezes morte, às vezes divórcio, mas sempre tocando pra frente, sempre chegando ao ponto final; ler um jornal sozinho numa lanchonete, nauseado pelo fato de ela ter se casado com um dentista de QI 95; pistas de corrida, parques, piqueniques nos parques; até prisões; os amigos chatos dela, os seus amigos chatos; seus porres, a dança dela; seus flertes, os flertes dela; as pílulas dela, as suas trepadas fora do penico, ela fazendo o mesmo; dormir juntos... (p. 221)

- O que está achando de Novo Hamburgo?

É bom sair do cortiço sujo e apinhado de gente em que moro. Não tem sombra; o sol nos fustiga sem piedade. Somos todos dementes, de um jeito ou de outro. Até os cachorros e gatos são dementes, mais os pássaros e os garotos jornaleiros e as putas. Pra gente, de Hollywood-Leste, as privadas nunca funcionaram direito, e os encanadores de carregação que o senhorio arruma não são capazes de consertá-las. A gente tem de deixar as caixas d'água abertas e acionar a descarga com as mãos. As torneiras pingam, as baratas pululam, os cachorros cagam em toda parte e os buracos nas telas deixam entrar as moscas e todo tipo de insetos estranhos com asas. (p. 207)

- E no entanto o senhor mantém certa elegância...

Nunca fui elegante. Minhas camisas são todas desbotadas, encolhidas, surradas, e já tem cinco ou seis anos. Minhas calças, a mesma coisa. Detesto as grandes lojas, detesto os vendedores, eles se fazem de superiores, parecem conhecer o sentido da vida, têm uma segurança que me falta. Meus sapatos são velhos e estropiados, e eu detesto lojas de sapatos também. Nunca compro nada novo, a não ser que as minhas coisas já estejam completamente inutilizadas - automóveis inclusive. Não é questão de economia; é que eu não tolero ser um comprador na dependência dos vendedores, aqueles caras tão altivos e superiores. Além disso, eu perco tempo, um tempo em que eu podia muito bem estar de papo pro ar, bebendo. (p. 205)

- Por que o senhor acabou não comparecendo à Feira do Livro?

Eu detesto gente, patotas, em qualquer lugar. Eu sumo na frente das pessoas, elas me drenam o sangue. "Humanitarismo, ninguém tem isso de nascença" - eis o meu lema. (p. 217)



Anos depois fui visitá-lo em Los Angeles. Gravamos um vídeo.




Chinaski, todos sabem, é o alter-ego de Bukowski. Todas as respostas, com mínimas alterações, se encontram nas páginas indicadas de "Mulheres", de Charles Bukowski, trad. Reinaldo Moraes, ed. Brasiliense, 1984.

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