quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Wikitédio

Não há mais como entediar-se. O tédio está morto. Já não é possível sentir aquele tédio profundo que lançou tantos à virtuose de autodestruição e autorrecriação ao longo dos últimos dois séculos. (Já antes, pensando bem, não foi o tédio que consumiu Dom Quixote, lançando-o, primeiro, à leitura voraz, e depois às alucinadas aventuras?)

Mataram Júlio César [ver Brutus], mataram Napoleão [ver Waterloo], mataram Deus [ver Nietzsche], mataram Marx [ver Veja] - mataram as certezas todas, mataram a própria possibilidade de haver certeza, e quando parecia que então só restaria o nada e seu tédio etéreo e plúmbeo, eis que matam também o tédio. Pós-nada. Pós-modernidade, pós-teísmo, pós-gênero, pós-trabalho, pós-família, pós-capitalismo. Pós. Cinzas. Nadas. Do pó aos pós, dust to dust.

Pós-tédio.

Posso baixar o filme que eu quiser, a qualquer momento (inclusive os mais entediantes russos). Posso baixar a música que eu quiser, quando eu quiser, executada por quem eu quiser, na qualidade de som que eu quiser (inclusive os mais entediantes estudos para órgão barroco). Posso ler o livro, o jornal, a notícia, o romance que eu quiser, no idioma que eu quiser, do autor que eu quiser (inclusive os mais entediantes romances de cavalaria medievais). Posso ver as fotos, as pinturas, as imagens, as ilustrações que eu quiser, do assunto que eu quiser, com as cores que eu quiser (inclusive a mais entediante pornografia banalizada). [E não me venham os paladinos da moral acusarem-nos de estarmos nos tornando robôs, máquinas individualistas que não valorizam o real sentido da vida, a fraternidade humana e o bem-estar social! Ora, eu posso conversar com quem eu quiser, pelo meio que eu quiser, do lugar em que eu quiser, quando eu bem entender! Eu posso vestir a máscara que eu quiser, jogar o jogo que eu quiser, representar quem eu quiser, votar em quem eu quiser, gritar o que eu quiser, ingressar no partido que eu quiser, das esmolas a quem eu quiser, perguntar o que eu quiser, avacalhar o que eu quiser (posso afirmar que isso não é democracia, porque eu sou eu, eu não sou o povo). Desconfio que posso até matar quem eu quiser!]

O tédio está morto.
(graças a Deus!)
O tédio morreu.
(aleluia!)
Mas o tédio um dia voltará
(amém.)

Perdoem-me o arroubo. Mas é verdade, é verdade. Assim como o trem-de-ferro um dia cortou o tédio pelo meio; assim como as highways reduziram-no ainda mais; assim como a televisão o esmigalhou - agora é a internet banda larga que está enterrando o tédio no tempo. É tudo uma questão de velocidade, de transmutação do espaçotempo - on the road, online, onipresença, onisciência, onipotência. Now I'm on.

O tédio, meu caro Álvaro de Campos, virou verbete de enciclopédia virtual.

Scorsese e De Niro em Taxi Driver

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