01 dezembro 2025

Relendo “BRILHO DA NOITE, CIDADE GRANDE”, de Jay McInerney

 [Publicado originalmente em 11/09/2025 em blog desativado]

Bright Lights, Big City“, publicado originalmente em 1984, trad. Luiz Fernando Brandão, ed. L&PM, 1986.

Adoro essa capa com a pintura do Ivan Pinheiro Machado (e o fato de eu estar postando isso num 11 de setembro é pura coincidência)

Fui acomodar o Solenoide (Cărtărescu, nascido em 1956) na estante e, como ordeno os livros de ficção por ordem de nascimento do autor, notei que logo ao lado o McInerney (1955) olhava pra mim. Resolvi reler (também porque recém li as entrevistas com o David Foster Wallace – do ótimo Um antídoto contra a solidão – em que o McInerney é citado de passagem algumas vezes).

A primeira leitura foi em 2014. Lembrei de imediato de quando comprei o exemplar no sebo Beco dos Livros, na loja da Rua da Ladeira, e de como o vendedor, que aparentava ser uns dez anos mais velho do que eu, fez um comentário espontâneo de que era uma obra muito boa e pouco conhecida. Deu pra sentir que pra ele o livro devia ter aquela marca geracional que o tornou um clássico dos anos 1980 nos EUA. O curioso é que eu não costumo vê-lo – o cara, não o livro – por aí, afora as raras idas àquele sebo e na respectiva banca da Feira do Livro, mas no dia seguinte ao início da releitura creio que o vi no supermercado. Achei uma sincronicidade promissora.

Se bem me lembro, do que mais gostei em 2014 foi a narrativa na segunda pessoa do singular e no tempo presente, algo raro em romances e novelas, mas que era a regra nos livros-jogos da série Aventuras Fantásticas, que eu tanto lia na minha pré-adolescência. Agora, por sua vez, acho que isso é do que menos gosto no livro, o que mais o impede de levantar maiores voos, talvez. O ritmo da leitura se ressente de algumas variações mais significativas de perspectiva, de foco, de sintaxe; a leitura é superfluida, até demais, e faz pensar que alguns caroços consistentes seriam bem-vindos.

Mas os méritos são muito mais numerosos e significativos. Acho que envelheceu melhor do que Psicopata Americano (1991, Bret Easton Ellis), por exemplo, que tentei reler esses tempos. E me peguei pensando, sem saber bem o porquê, no ótimo Terapia (1995), do David Lodge, embora seja britânico, e que deveria ser mais lido e lembrado.

As últimas quatro ou cinco páginas de Brilho da Noite, Cidade Grande são sublimes. E as derradeiras frases, além de certeiras, talvez sejam uma resposta à minha impressão de que o texto é fluido em demasia. Seria o caso de reiniciar a leitura, com mais vagar, dando valor às coisas simples, saboreando cada naco de frase?

* * *

Breves trechos dos parágrafos finais:

“A primeira luz da manhã delineia as torres do World Trade Center na extremidade da ilha. Você dobra na outra direção e segue para a parte alta da cidade. O calçamento de pedras da rua aparece nos lugares onde o asfalto ficou gasto. Você pensa nos tamancos dos primeiros imigrantes holandeses pisando estas mesmas pedras. Antes daquilo, nos guerreiros de Algonquin perseguindo a caça ao longo de trilhas silenciosas.

(…)

“Quando você dobra, o que restou do seu equipamento olfativo envia uma mensagem ao seu cérebro: pão fresco. Em algum lugar estão assando pão. Dá pra você sentir, mesmo com a hemorragia nasal. Você vê caminhões de padaria carregando diante de um edifício no próximo quarteirão. Observa enquanto sacos de bisnagas são carregados para fora e colocados na plataforma de carga por um homem com os antebraços tatuados. Este homem já está trabalhando para que as pessoas normais possam ter pão fresco em suas mesas pela manhã. As pessoas honradas que dormem à noite e comem ovos no desjejum. É domingo de manhã e você já não come desde… quando? Sexta à noite. À medida que se aproxima, o cheiro do pão banha você inteiro como uma chuva fina. Você inspira profundamente, enchendo os pulmões. Lágrimas afluem aos seus olhos e você sente tamanha onda de ternura e piedade que pára ao lado de um poste de luz e se agarra para não cair.

(…)

“Você se ajoelha e rasga o saco. O cheiro de pão quente o envolve. A primeira mordida entala em sua garganta e você quase se engasga. Vai ter que ir devagar. Vai ter que aprender tudo novamente.”

Denis Frémond




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